"O Serviço doméstico e suas funções psicoterapêuticas".

O que você faz pra arrumar a cabeça? Todo mundo tem uma maneira de descarregar a raiva. Uns comem, outros fazem exercício, praticam ioga, esportes radicais. Meu sonho é ter um saco de areia pra socar, tipo a Sandra Bullock em “Miss Simpatia”. Enquanto o dinheiro não dá pra comprar um, fui desenvolvendo técnicas mais ou menos vigorosas, dependendo do problema, para me controlar.
Há pelo menos duas décadas que lavo roupa. Eu não tenho máquina, bem que já podia ter comprado uma, mas cadê a graça? Tudo começou com a máquina da minha mãe, que quebrou e a peça ficou em falta por uns três meses. Ela não pode lavar muita roupa porque tem problema de coluna, então eu comecei a fazer esse serviço. Dá pra imaginar que odiava perder minhas manhãs, e às vezes, as tardes de sábado em plena adolescência pra ficar lavando toda a roupa da família à mão, não é? Que nada! A minha mãe é um porre, e as manhãs de sábado eram dia de faxina. Ela reclamava de tudo e de todos durante todo o dia, e eu? Escapava do blá-blá-blá, sozinha, lá no quintal, com as árvores, o cachorro (que também tomava banho no sábado), e uma farra de água e sabão. E eu descarregava a raiva na roupa, ficava tudo tão limpinho! Ainda desenvolvi a técnica de passar roupa, o que me garantia as manhãs de domingo na frente da televisão assistindo “Anjos da lei” e as corridas de F1. Pena que era dentro de casa, tinha que ouvir minha mãe.
Considerando que nada nunca estava bem feito pra minha mãe, eu devia ter horror a serviço de casa. E tinha mesmo. Eu já ficava imaginando o quê ela ia encontrar de defeito no serviço pra reclamar. Mas quando saí de casa, descobri que gosto sim, de arrumar a casa, desde que não tenha alguém pra bagunçar logo depois. Afinal, não há nada mais frustrante que chegar em casa no final do dia e encontrar o apartamento que você deixou arrumado, transformado numa zona de guerra. Claro que não adoro lavar banheiro nem limpar geladeira. Mas lavar roupa é minha terapia. A ponto de um professor meu comentar “o que prova que a expressão ‘isso é falta de uma lavagem de roupa’ é a mais pura verdade”. Deve ser.

Pra organizar as idéias, eu recomendo arrumar o guarda-roupa. Parafraseando a ladainha eterna da minha mãe, arrumar não é só limpar: é separar, colocar no lugar, otimizar o espaço, etc. Só há duas exceções possíveis pra permanecer num guarda-roupa se não está em uso há mais de três meses: decoração de Natal e roupa de festa. Se você não usa uma roupa há mais de três meses, repense muito seriamente o que ela está fazendo no seu guarda-roupa. Nem me venha com a desculpa de que a usou no primeiro show de Roberto Carlos a que você foi (a minha mãe tem uma jaqueta vermelha nesta exata situação há uns 40 anos ou mais), isso não é museu, você não é Lady Di pra ter roupa leiloada por ocasião especial, e esse modelo provavelmente já caiu de moda. Também não vale guardar a mesma roupa por dez anos esperando emagrecer. Se você quer emagrecer, tire essa roupa do guarda-roupa e pendure-a a vista. Eu perdi dez quilos por causa de uma calça vermelha. Funciona, portanto.
Se você ainda não está emocionalmente pronto pra se desfazer da roupa, pelo menos guarde numa caixa, mas tire do espaço útil do armário. Não há nada pior que abrir um guarda-roupa cheio e “não ter roupa”. Uma boa idéia é trocar com as amigas. Eu tenho umas roupas que, quando enjôo delas, passo adiante por um tempo, até que dá saudade e peço de volta. Como as amigas são de outras cidades, a gente não repete roupa. O problema é que nos últimos anos eu engordei.
O mesmo conselho vale pros sapatos, bolsas e bijuterias. Minhas amigas sabem exatamente o que eu tenho no armário pra quando precisarem pegar emprestado. Pra que gastar com uma roupa de festa que você não pode ficar usando? Seja racional.

Pra encerrar fases profissionais, arrume seus livros e seus arquivos. Evite jogar livros fora, mesmo que seja pra doação, separe e dê três meses pra pensar. Quase sempre você se arrepende. É a única coisa que consigo juntar, mas como raramente compro livros, as prateleiras ainda agüentam. Só não vale guardar livro profissional desatualizado. Passe-os adiante se puder comprar a edição seguinte. Alguma biblioteca vai agradecer. Numa me esqueço da emoção de uma bibliotecária de escola pública quando levei umas enciclopédias do final da década de 70, em plena década de 90. Não serviam mais pra mim, mas os alunos não tinham Internet, então...

Pra começar novas fases de vida (tipo Ano Novo), organize seu HD. Eu não sei o que um profissional da área diria (e meu irmão é um, mas nunca perguntei), mas eu prefiro ter montes de pastas, que têm outros montes de pastas, do que deixar os arquivos soltos. É incrível a quantidade de informações que a gente guarda. E se deletar, um dia vai precisar, certo como dois e dois são quatro. Pra ter uma idéia, tenho um pasta chamada “Sorria”, só com aquelas idiotices que me enviam e que me fazem morrer de rir. Não satisfeita, dividi a pasta em “piadas politicamente incorretas”, “mulheres”, “computadoes, engeheiros e afins”, etc. Provavelmente existe outra maneira mais sensata de arrumar um HD. Eu não conheço. Se você souber, me envie.

Para períodos de dúvida existencial, lavar o chão. É impossível não se sentir útil depois lavar o chão. Nada se compara à sensação de ver o piso limpo e poder sentar-se nele com aquele cheirinho de limpeza. Eu costumo dispensar esses aromatizantes, prefiro sabão e água sanitária somente. Cada qual com seu gosto, viu?
Se não for suficiente, tente o seguinte:

Tratamento de episódio depressivo moderado

Arrume seus papéis
Ouça Beatles em bom som (cada faixa três vezes)
Varra a casa e passe o pano, se necessário encere
Lave toda a roupa (manualmente) que seu varal puder comportar. Deixe mais um balde de molho
Troque Beatles por Kid Abelha, todos os cds e fitas que tiver (peça emprestado ao vizinho, inclusive)
Tome um banho, com bucha, lixa para os pés e lave o cabelo
Ouça Roxette, umas duas vezes cada lado da fita ou CD
Passe toda a roupa que seu braço (não a sua paciência)agüentar
Arrume o guarda-roupa
Limpe as bijuterias
Se nada mais der certo, areie as panelas ou capine o mato do quintal.