Da Revista do Conselho Regional de Medicina do RN
A tristeza de um quadro
O médico
Em 1891, o pintor Sir Samuel Luke Fildes realizou uma de suas obras mais famosas denominada de “O médico”. Essa tela que pode ser apreciada, na Tate Gallery, em Londres, retrata uma cena emocionante: “O ambiente é a sala de uma casa, onde tudo está mergulhado na sombra, exceto pela luz central de um lampião que ilumina a menina doente(...) Num canto, o casal, pai e mãe, imagens da impotência. A mãe está debruçada sobre uma mesa. Seu rosto está mergulhado no vazio. Só lhe resta chorar. O pai é o próprio retrato do desamparo em busca de socorro. Tudo é uma despedida pronta a cumprir-se: a morte da filha. Ao lado da menina, um estranho, assentado: o médico - que na hora da luta entre o amor e a morte, é ele que é chamado – com seu cotovelo apoiado sobre o joelho, seu queixo apoiado sobre a mão, é a imagem da meditação: o que fazer? As poções sobre a mesa revelam que o que podia ser feito já foi feito. Esgotou-se o seu saber e o seu poder, mas o médico continuava ali – talvez rezando – afinal, também estava sofrendo...”.
Acredito que se o pintor inglês fosse novamente retratar essa cena, agora em 2004, talvez não colocasse o médico participando do cenário. E por que isso aconteceria? Por uma questão muito simples: o médico estaria correndo e se deslocando entre os vários empregos ou participando, infelizmente, de algum movimento reivindicatório (greve) para melhorar o seu salário e, principalmente, para resgatar a sua dignidade profissional.
É triste constatar, todavia, os médicos, atualmente, para sobreviverem – trabalham em cinco ou seis lugares – não conseguem ter mais tempo para parar, meditar e sofrer junto com o doente...Não temos mais tempo para sermos solidários com os nossos pacientes.
A sociedade não percebe que tratando o médico com essa indiferença - permitindo que se lhe pague um humilhante salário de R$ 338,60 – está destruindo o médico do quadro: herói e romântico de antigamente. E era, exatamente, no passado que o médico, apaixonado pela sua profissão, exercia a verdadeira medicina: escutava, tocava, acalmava a ansiedade do paciente...Era uma relação amistosamente afetiva, respeitosa, das identidades e dos respectivos nomes.
Lamentavelmente, o médico foi arrancado dessa cena de intimidade. E então surgiu a “nova” relação médico-paciente: distante, impessoal, desconfiada e até hostil. Por isso é que, cada vez mais, os processos por erros médicos estão surgindo. A gratidão e admiração deram lugar à competição e à inveja: “Os médicos têm que se acostumarem a andar de fusca”; “Vamos punir a máfia dos jalecos brancos” – são exemplos do tratamento dispensados a nós médicos, no presente.
Por que esse sentimento de revolta? O que os médicos fizeram para merecer tanto desprezo? É bem verdade, que há alguns profissionais que não dignificam a nossa profissão: que não deveriam está usando o branco. Mas, qual é a profissão em que não existem maus profissionais: atire a primeira pedra àquela profissão em que todos os profissionais são puros e não pecam.
Na medicina não poderia ser diferente, pois ela é feita por homens: bons e maus. No entanto, Gandhi nos alivia quando diz: “Se uma parte do oceano está suja, isto não torna sujo todo o oceano”. E podem acreditar: há um número muito maior de profissionais que dignificam a medicina, do que o contrário! Profissionais que gostariam de fazer o que tanto aprenderam nas universidades: cuidar do próximo...
Até quando a tristeza desse quadro atual irá continuar? Não sei. Porém, responder essa questão fará uma enorme diferença. Afinal, já dizia o filósofo Hegel: “Nada de grande se faz sem paixão”. E não existe paixão sem respeito. Não existe paixão onde há desprezo.
Francisco Edílson Leite Pinto Junior, Professor do Departamento de Cirurgia da UFRN
sábado, janeiro 22, 2005
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