quinta-feira, janeiro 13, 2005

Eu ando morrendo de fome

Edição de 06.10.04 da Revista Época

Coluna Xongas
RICARDO FREIRE

O tombamento do acarajé

Dia 1º, na abertura do Fórum Mundial de Turismo, em Salvador, o presidente Lula voltou a pedir que a imprensa procure divulgar notícias que não afugentem turistas em potencial. O problema é o seguinte: que tipo de notícia positiva interessaria aos correspondentes estrangeiros, já tão sobrecarregados de desgraças para reportar?

Imaginei algumas manchetes que poderiam fazer sucesso entre as agências internacionais. Por exemplo: 'Brasil dispensa visto para americanos' (é o que fazem todos os países seriamente empenhados em trazer turistas gringos). Ou: 'Rio coloca um policial em cada esquina e acaba com a violência na praia'. Ou ainda: 'Embratur oferece serviço de tradução grátis de cardápios para o inglês e o espanhol' (sem saber português, um turista estrangeiro não decifra nem bufê no Brasil).

Eu já estava pronto para fazer uma coluna cheia de sugestões de notícias positivas para o turismo, quando felizmente a fábrica de notícias positivas do governo começou a funcionar. No dia seguinte ao discurso de Lula, o Instituto Nacional do Patrimônio Histórico anunciou uma medida da maior importância: o tombamento do acarajé.

É oficial. Agora o acarajé está tão tombado quanto o Pelourinho, o casario de Paraty e a Praça dos Três Poderes. Se o Japão tivesse tombado o sushi, os restaurantes japoneses de São Paulo não teriam como inventar essa praga moderna, o sushi quente. Graças ao tombamento do acarajé, os turistas estrangeiros poderão vir ao Brasil com a certeza de que jamais lhes será oferecido um acarajé de frango com catupiry.

A notícia do tombamento do acarajé ainda não repercutiu internacionalmente como deveria - mas, que diabos, a medida é muito recente, e ainda não houve tempo para medir seu impacto. O importante mesmo são os desdobramentos que o fato pode desencadear. O tombamento do acarajé abre caminho para o tombamento da coxinha de padaria, do ovo colorido de botequim, do pastel de feira, do biscoito Globo, do Chicabon, do brigadeiro de festa, do angu do Gomes e, por que não?, do milk-shake de Ovomaltine do Bob's.

Com isso, o Brasil pode deixar de ser o país do trinômio sol-praia-natureza - coisas que praticamente todos os destinos tropicais podem oferecer - e se tornar o país do quadrinômio sol-praia-natureza e salgadinhos. Se o Ministério da Cultura resolver tombar alguns itens mais, como o tacacá, o açaí na tigela, o hot-dog com purê de batata e o churro de doce de leite, vai ser possível montar um circuito turístico pelo país inteiro focado somente na comida de rua.

Não vejo a hora de ir a Salvador e comer meus primeiros acarajés tombados. Entre um acarajé da Dinha e outro acarajé da Regina, vou pegar um sol na praia do Porto da Barra - a única do planeta onde você aluga uma cadeira e o dono da barraca vem de meia em meia hora regar a areia em que você pisa com água geladinha do mar. Vem cá: como é que ninguém até agora se lembrou de mandar tombar os regadores do Porto da Barra?

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