Plantão na Quarta-feira
Corre-corre habitual. Estudei um pouco de Neonatologia. Estou tentando organizar um caderninho de bolso pra consulta rápida em Pediatria. O problema é tempo pra isso.
Tive que mandar um garotinho de 12 anos de volta com uma fratura patológica de fêmur. Só o Hospital do Câncer aceita esses casos. Uma simples queda, estava correndo. Não perguntei onde a doença iniciou. Seria simples curiosidade.
À noite chegaram os pacientes para internamento para cirurgia no dia seguinte. Aprendi que antes de toda cirurgia o paciente deve se consultar com o anestesista. Contar sobre cirurgias anteriores, alergias, doenças, remédios que usa, etc. E deve ser visitado por ele na noite anterior da cirurgia. É a chamada visita pré-anestésica. Avalia alguma contra-indicação de última hora, alguma gripe, uma crise hipertensiva, a necessidade de um tranquilizante, etc. Durante esses anos, vi UM anestesista admitir que fazia isso, um professor de Bases da Técnica Cirúrgica e Anestesiologia. E FAZER mesmo, conheci meu pai. E não falo porque é meu pai. Costumo dizer que ele é melhor médico que pai, é um médico excelente. Ele também faz a visita pós-anestésica, que é avaliar o paciente nas 24 horas após a cirurgia, responsabilidade do anestesista. Durante esses anos, vi uma anestesista fazer isso, numa cirurgia da minha mãe. Ultimamente, não tenho visto nem o cirurgião.
Portanto, na falta de outro, sou eu quem pergunta tudo sobre a vida do paciente. Costumo pensar que um médico é alguém muito curioso que arranjou um meio de saber tudo da vida de alguém sem ser mal-educado. “Tem diabetes? Pressão alta? Fuma? Já Fumou? Bebe? Já bebeu? Usa algum remédio? Já fez alguma cirurgia? Já teve alguma alergia? Quando tomou a última vacina pra tétano?”. Vi muitos pacientes terem suas cirurgias suspensas porque haviam suspendido suas medicações dias antes e agora estavam com a pressão arterial ou glicemia descontroladas. Tudo falta de orientação do cirurgião, que sabia e não avisava o paciente.
De vez em quando tenho que mandar alguém de volta. Nessa noite, foi uma moça com amigdalite bacteriana. Nada feito. Risco de endocardite. Sinto muitíssimo.
Mais 12 horas de plantão
Uma velhinha levou uma queda e cortou as duas pernas. Um trabalhão pra suturar. A pele, além de muito frágil, não tinha elasticidade. Não foi meu melhor trabalho. Acho que foi o pior, na verdade. Isso demorou mais de uma hora. Quando reinicei o atendimento, a enfermeira veio me informar de um paciente diabético insulino-dependente, com carteirinha de diabético, que estava há dois dias sem tomar insulina e havia sido operado de uma fratura na perna. A glicemia estava mais de 500. Não havia nada no prontuário. O espaço sobre antecedentes pessoais e hereditários estava em branco. Ainda bem que foi ela mesma quem disse “como é que um médico interna e opera um paciente sem perguntar se ele tem diabetes?”. Nesse momento ligaram da enfermaria. Outra paciente diabética estava desorientada e a glicemia estava 37. Uns com tanto... Saí correndo de novo. Uns seis ou sete estudantes de enfermagem tentado pegar uma veia e a paciente lutando contra eles, porque hipoglicewmia dá irritação além de desorientação. Não esperei pelo acesso venoso. Abri uma ampola de glicose e fi-la beber. Ela bebeu cinco ampolas até normalizar a glicemia e conseguirem um acesso.
Parece um contra-senso um diabético com hipoglicemia, mas é até mais comum do que se pensa. Morrem mais diabéticos por hipoglicemia que por hiperglicemia. É uma das complicações mais frequentes. O regime rigoroso, a medicação correta, o exercício físico são complicados para manter na balança. Basta meia hora de atraso na refeição, uma infecção para que se descontrole tudo. E se o diabético vive descontrolado, sem seguir tudo direitinho, um internamento, com a dieta correta e as medicações no horário, somados ao stress, podem ser difíceis de seguir. Mais de um familiar se apavora quando nos escuta dizer “coloque um soro glicosado”. “Mas ele é diabético!”. Nem o próprio doente nem a família são orientados quanto aos sinais de hipoglicemia. E muitos morrem antes de chegar ao hospital.
Nesta tarde foi a defesa de tese de doutorado em História do professor de Históra Antiga de Eduardo, Zé Maria. Lamentei muitíssimo perder a defesa de tese de Zé Maria, mas só soube uma semana antes. Não deu pra trocar o plantão. Ado foi e contou que foi um show, começando pelo fato do professor estar impecavelmente vestido. Considerando que Zé sempre está de jeans, sandálias de couco e a pior camiseta que encontra, deve ter sido mesmo imperdível. Eduarco definiu como “a melhor aula de Zé Maria que já assisti”. E eu de plantão!
sábado, fevereiro 26, 2005
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