Crônica do Dia
Porque foi Valentine's Day. É uma das crônicas do "Sensações de Sofia", que eu recomendei ontem. Dá pra acreditar que não consegui parar de ler até às 3 da manhã?
Cabeça de mulher
12/06/2003
Por Ana Kessler
O Pedro me deixou em casa e perguntou se podia me convidar para jantar qualquer dia desses. "Pode me convidar agora", pensei, mas disse apenas "claro!". Fiquei imaginando, se o "qualquer dia desses" dele for igual ao meu "mês que vem" estou ferrada, esse encontro vai sair no Dia de São Nunca. Nos despedimos no carro, beijinho pra direita, beijinho pra esquerda, no meio que é bom, necas. Tudo bem, estou tão constipada que não ia conseguir sentir o gosto mesmo.
Não tive coragem de perguntar se ele queria entrar um pouquinho, tomar alguma coisa, até porque sem sofá não teria onde sentá-lo, e sem cerveja, nada para oferecer. Mas meu vacilo não impediu que eu ficasse um bom tempo hipnotizada mirando a sua pintinha ao lado da boca, que parecia piscar pra mim, "você está bem, Sofia?", estava, quer dizer, não, não estava, "mais ou menos", respondi, por fim. "Quer que eu acompanhe você até a sua casa?", ofereceu-se. Olha, rapaz, você não tem a menor noção do risco que corre me fazendo essa proposta, eu diria mesmo que beira o suicídio, porque com o tesão que estou por você, sou capaz de pular no seu pescoço e em seguida esquartejá-lo de beijos. "Obrigada", respondi simplesmente, anexando um sorriso. Ele ficou sem saber se aquilo era um "sim", e eu não fiz questão de esclarecer que não era um "não". Dei as costas e saí.
Desci do carro com o coração na garganta, talvez fossem minhas amídalas inchadas, não sei bem. Entrei no apê suspirando, e encostei-me na porta que se fechou atrás de mim. Cena bem clichê, típica de filme agüinha com açúcar. Pena que não estava participando de um Big Brother da vida, teria ficado bonito na telinha. Imagens do nosso encontro ficaram projetando-se nas paredes da minha memória, com algumas falhas eventuais que nos transformavam em protagonistas de um cinema mudo. Eu mais muda que o Pedro.
Será que isso acontece com todo mundo, essa coisa da gente perder a voz, a noção do tempo, a coordenação, de perder o chão, o raciocínio, e as palavras ficarem se debatendo de um lado para o outro do cérebro, como bolinhas numa mesa de ping-pong que não encontram o caminho da boca para serem expelidas, e a gente fica muda, cega, surda, quando está apaixonada? Será que ele percebeu que eu estou - sem malícia, de quatro, por ele? Será que ele está na minha? Ah, como eu gostaria de entender os sinais do Pedro. E do resto dos exemplares do sexo oposto também, se não for pedir muito.
Vocês, homens, deviam nascer com uma lampadazinha na testa, que alternasse entre o verde e o vermelho, uma espécie de avance-recue, pra gente saber o que fazer quando não soubesse o que fazer. Ficaria muito mais fácil. Por exemplo, o Pedro, ao ver meu joelho machucado e dizer "quando casar, sara!", usou apenas uma expressão do tempo das nossas avós, ou a palavra "casar" era um convite para mais do que uma voltinha no parque? Ele me levar de pedalinho para o meio da lagoa, seria uma desculpa furada para me atacar ou realmente um ingênuo convite? Se não era desculpa, poxa, eu estava todinha lá, sem ter para onde fugir, porque ele não aproveitou para me atacar? Que homem lento!
Mulher pode se dar ao luxo de ser complicada, homem não. É da nossa natureza transitar pelas entrelinhas. Vide aquela história de quando uma mulher diz "não" está querendo dizer "sim". Isso acontece, mas você tem que observar o todo: gestos, olhares, tom de voz... Se ela fizer um beicinho, titubear e gemer "acho que nããããumm". Já era. É sim. Agora, se a gente estiver se debatendo, espumando no chão, gritando "NÃO, NÃO, NÃO!!!!", a sua insistência pode ser catalogada como estupro. Pare. E se a polícia chegar, fuja.
Não nascemos com manual, mas nos entender é mais simples do que parece. Há diferenças básicas entre nós, sexos opostos. Se você conhecer uma gata numa festa, pedir o telefone dela e, em vez de dar, ela pedir o seu, esqueça, você é carta fora do baralho. A não ser que o outro cara para quem ela deu o telefone não ligue dentro de uma semana. Então, você pode ter uma chance. Se ela lhe der o número, você ligar e ela recusar o convite pra sair, entenda como "mudei de idéia, me arrependi", ou ainda, "putz, como é que não dei o número errado?". Já os homens sempre dão o número certo.
Nós, mulheres, dividimos o mundo entre: homens bonitos, homens charmosos, homens interessantes, homens simpáticos, homens intrigantes, homens cafajestes, homens misteriosos, homens com futuro, homens educados, homens ricos, homens atléticos, homens fortes, homens bons-pais-de-família, homens intelectuais, homens inteligentes. Todos têm chances, é só acertarem na abordagem. Homens são mais simplistas: há mulheres bonitas e outras nem tanto. Todas são bem-vindas. Menos as feias.
Além da luzinha na testa, vocês deveriam nascer com um bip. E a gente, com um localizador. Essa coisa de se mostrar todo interessado quando está junto, e de uma hora para a outra, desaparecer, acaba com os nossos nervos. Custa dar um alozinho eventualmente? Tudo bem que existe futebol, amigos, cerveja, trabalho, mãe, coleção de selos... mas como vocês podem preferir tudo isso à mulher? Isso também acaba com os nossos nervos.
Ainda estava encostada na porta divagando quando, trimmm, atendi, não era delírio, era o Pedro. Ele ficou preocupado comigo, achou que eu estava pálida, branca, recomendou que medisse minha temperatura. Fez-me prometer que se eu me sentisse mal, ligaria "a qualquer hora". Disse que adorou nosso passeio, especialmente a companhia. E que há tempos não se divertia tanto. Falou tudo o que eu queria ouvir. Quase chorei de emoção. Fiquei sem argumentos pra continuar aqui reclamando dos homens. Vocês são perfeitos. Eu é que tenho essa cabeça de mulher.
*
Ah, feliz Dia dos Namorados, para quem tem. Para quem não tem, hoje é um bom dia para tentar a sorte no bingo. Fica o recado.
terça-feira, fevereiro 15, 2005
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