36 horas de plantão
Começando o dia sendo chamada devido a pacientes internadas para cirurgias, portadores de hipertensão sem prescrição de qualquer medicação. Foram internadas no dia anterior por um cirurgião, que nem perguntou se ambas tinham alguma doença. Aliás, essa parece ser a rotina, com louváveis exceções. Uma calmaria de uma hora, mais ou menos, enquanto resolvi estudar diarréia. Depois, as portas do inferno se abriram. Pra variar, não havia médico na outra emergência. Foram 37 pacientes pelo SUS, mais outros de planos de saúde, seis internamentos, cinco transferências, incluindo uma fratura de úmero em um senhor de uns 60 anos. Simplesmente caiu. Osteoporose.
No meio disso, chega um garotinho de três anos, com 40,5ºC, há três meses tendo pneumonias repetidas. Após me comunicar com o hospital de referência do plano de saúde, solicitei um raio-x para interná-lo. A autorização e o internamento foram recusados. Motivo: carência. E o garotinho podia morrer. Consegui facilmente uma vaga num hospital público, com residência em pediatria, que provavelmente não apenas vai tratá-lo mas também investigar o porquê da repetição da doença. O plano de saúde era o Ideal. E o SUS ofereceu um serviço infinitamente melhor.
Enquanto isso, foi chegando mais gente. Às três da tarde eu havia atendido quatro casos de diarréia, três deles tão graves que foram internados. Depois de vários casos de cólera no Estado, resolvi chamar a Vigilância Sanitária. Não é ser alarmista, é ser cuidadosa. E o pessoal da vigilância concordou comigo e ajudou um bocado, notificando os casos suspeitos e orientado a equipe do hospital.
Já depois das sete da noite, começaram os internamentos pra cirurgias no dia seguinte. Uma paciente teve a cirurgia suspensa por uso de AAS. Deveria ter suspenso o uso quinze dias antes e o cirurgião não avisou.”Por que não me fizeram essa entrevista quando fui operada da outra vez?”. Porque não fui quem lhe internou, tive vontade de dizer. E ela vai ter que remarcar tudo por falta de orientação. Do contrário, poderia sangrar até morrer na mesa de cirurgia.
Chegou uma moça com vômitos e dor abdominal. Apendicite? A observação sugeriu que não. Um senhor de 100 anos (99 anos e 11 meses) com diarréia há quinze dias. Lúcido e desidratado. Internamento para observação. A essa altura eram dez da noite e eu tinha almoçado às duas da tarde. Pois acredite que não havia jantar para mim. Havia acabado. A vontade que tive foi de ir me embora. Como alguém deixa um plantonista sem comida? Eu não podia sair de lá! E não era porque eu sou a médica do plantão. Podia ter sido qualquer um, o segurança, a enfermeira. Precisou que Ado viesse trazer comida pra mim. E eu perdi a fome com a raiva.
O dia reiniciou às cinco da manhã, com a auxiliar de enfermagem mais mal-humorada que já conheci. Ainda bem que ela só ficou até sete. A que ficou também não é simpatissícima, mas pelo menos não reclama de tudo. Houve menos gente, mas não parei quase nada. Vários retornos de pacientes que atendi, com resultados de exames, referindo melhora ou piora de algum sintoma. Um deles confirmou uma suspeita de hérnia de disco quando trouxe o raio-x da coluna.
Uma senhora com crise hipertensiva e nervosa, o marido saiu de casa, de repente fez as malas. Um alcoólatra ameaçando fisicamente a família, incluindo a mãe de 68 anos. E uma paciente que tinha tido alta há dois dias chegou morta ao servico: enfisema pulmonar. A filha dela teve uma crise histérica e a pressão arterial subiu. E chegou meu rendeiro, graças a Deus! Doente, mas veio.
sexta-feira, março 11, 2005
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