quinta-feira, março 24, 2005

12 horas de plantão

Meu colega pediu,e e aceitei, trocar o plantão desta semana para que ele pudesse viajar com a família. Como eu, pobre mortal, mesmo que não tivesse plantão no sábado, não teria dinheiro sequer para o peixe da Semana Santa (o salário ainda não saiu), concordei.
Habitualmente, o movimento começa perto das nove da manhã. Hoje foi diferente. Às oito horas chegou uma senhora de 77 anos com dor de cabeça intensa há 3 semanas. Tinha pressão alta e usava medicação. O exame físico mostrou uma PA de 150 x 90 mmHg, alta, mas não tanto. Havia rigidez de nuca. O resto estava normal. Solicitei uma ambulância para uma exame de líquido céfalo-raquidiano e descartar meningite.
A seguir, outra senhora, de 88 anos, encaminhada por um médico da família. Não entendi metade do encaminhamento por causa da letra, exceto que “se continuar em casa irá a óbito”. Parabéns, doutor, isso eu estava vendo. Também não entendi metade das hipóteses diagnósticas. Segundo a família, há um mês ela sentia fortes dores por todo o corpo, não conseguia andar e não comia. Não era hipertensa, diabética, nem bebia ou fumava. A ambulância que a trouxera havia simplesmente deixado a paciente e ido embora sem falar comigo. Acontece que ali não era o local correto para dar suporte a um quadro daquele, e interná-la ali nem resolveria o problema, nem ajudaria a descobrir o que estava acontecendo. Como uma das hipóteses legíveis era mieloma (o médico é hematologista), consegui uma transferência para um hospital com residência em clínica e pedi uma ambulância. Enquanto isso, fiz um analgésico e iniciei reidratação venosa. Pelo menos, ela parou de gemer e conseguiu dormir.
A enfermagem veio me avisar que uma das pacientes com fratura de fêmur estava mal. Ela estava bem no último sábado, quando a vi, mas nas últimas 24 horas, houve uma queda do nível de consciência e foi solicitado um parecer neurológico. Não deu tempo. A insuficiência cardíaca de longa data impediu o bombeamento correto de líquidos do pulmão e ela se afogou no seco. Edema agudo de pulmão. A filha contou que desde que um parente morrera com câncer há alguns meses ela havia desistido de viver. Descansou.
Um senhor veio fazer o curativo no dedão do pé, onde foi feita uma raspagem há alguns dias. É diabético. O aspecto da ferida era bom. Orientei uma antitetânica e pedi que voltasse amanhã. Uma moça veio retirar os pontos da cirurgia de joanete. A enfermeira da clínica cirúrgica veio me avisar que a paciente com fratura no fêmur que tentou suicídio estava com a pressão 210 x 120 mmHg e precisava entrar no bloco cirúrgico. Antihipertensivo e tranqüilizante. Funcionou.
Uma paciente com plano de saúde chegou com diarréia aquosa e vômitos há quatro horas. Comeu um cachorro-quente suspeito ontem. Estava desidratada e com dor abdominal. Hidratação venosa, medicação para dor e vômito, coloquei em observação. Aquela senhora do pé diabético da semana passada voltou. Fé a antitetânica e a cicatrização está ótima. Orientei que a partir de agora podia vir a cada dois ou três dias para revisão.
A senhora com suspeita de meningite voltou. O exame descartou meningite, mas sugeriram que podia ser um derrame. Não havia muito que falasse a favor e não entendi por que não encaminharam de lá mesmo para um neurologista. Agora eu tinha que conseguir outra ambulância para transferi-la novamente. Às vezes os profissionais de saúde não pensam no paciente, só na doença. Eu disse às vezes? Esqueça. Quase sempre.
A essa altura já havia três horas que eu esperava uma ambulância para a paciente com dor. Haviam ligado para um vereador que tem uma ambulância. Pra variar, o município não dispõe do necessário e os políticos acabam prestando esse tipo de favor, a ser cobrado na hora da eleição. E quem sou pra reclamar, se essa tal ambulância é a salvação da pátria? Finalmente o motorista veio e levou a paciente.
Uma moça de uns 27 anos chegou aos gritos com uma dor abdominal. A família contou que há três meses que ela é socorrida, internada nos hospitais, faz exames e ninguém descobre o que é. Interessante a falta de interesse dos meus colegas: o sumário de urina revelava presença de glicose em grande quantidade, a urocultura mostrava a presença de uma bactéria E quais os antibióticos para tratá-la, a ultrassonografia estava normal. Infecção urinária. Um simples exame de sangue mostrou 255 de glicose. Provável diabetes. Simples assim. Internei-a para confirmar.
A paciente da diarréia melhorou. Provavelmente é mais uma diarréia por rotavírus. Mandei—a para casa com orientação dietética e de sintomáticos. Acho que a Semana Santa dela não vai ser das melhores. Uma senhora que atendi semana passada voltou com os exames pré-operatórios para uma cirurgia de hérnia incisional. É hipertensa, mas não tem colesterol alto, diabetes, parasitoses. Tudo OK. Para o cirurgião e boa sorte.
Mais uma velhinha com fratura de fêmur. Internação, questionário de todas as doenças, lista das medicações que usa. Avisei da reserva de sangue para a cirurgia.
Um rapaz com o rosto inchado há uma semana. Teve uma infecção de pele recentemente. Provavelmente isso afetou o rim. A pressão estava alta. Solicitei exames, diminui o sal da dieta e pedi que voltasse amanhã. Um senhor com diarréia por intolerância a lactose trouxe o resto dos exames e ficou provado que não tinha parasitoses intestinais ou gastroenterite. Se ele não tomar mais leite, tudo bem.
A esposa do paciente que teve alta no sábado após retirar o aparelho de fixação externa da perna voltou, apavorada. Está saindo secreção purulenta do local e a volta pro ortopedista ainda é para maio. Orientei que voltasse imediatamente. Ela morria de medo que o médico brigasse com ela, que pensasse que ela não havia cuidado do marido. Expliquei que ele podia morrer se não viesse logo e ela prometeu trazê-lo.
No final do plantão chegou mais um velhinho com febre, vômitos e garganta inflamada. Ainda bem que não tinha diarréia. A pressão estava alta. Mediquei-o e mantive em observação.
Estava fechando as malas quando o telefone tocou. “Doutora, uma urgência”. Uma gestante de sete meses havia desmaiado. Gravidez de alto-risco por baixo peso. Verifiquei a pressão. Estava 140 x 80 mmHg. Pressão arterial de gestante deve ser baixa. Sempre. O perigo é de convulsão e morte. É a chamada eclâmpsia. É comum na primeira gestação, como o caso dela. Ainda bem que a maternidade dista uns 500 metros, e ela seguiu para lá.
Daqui a pouco tem mais 24 horas de plantão por lá. Boa noite.

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