domingo, abril 03, 2005

Plantão de sábado

Um dia de expectativa. Desde quinta-feira eu esperava o falecimento de Sua Santidade. Quem já acompanhou doentes de Parkinson sabia em que estado ele estava. Era dia de evoluir todos os pacientes internos, vinte e seis ao todo. Aquela paciente de 55 anos, internada com diarréia estava um pouco melhor. O rapaz com asma e pneumonia melhorou e queria alta. Mas não tinha nem 48 horas sem febre. Aquele senhor com cirrose e ascite havia melhorado um pouco da falta de ar. Solicitei uma paracentese (retirada de líquido abdominal) de alívio. A velhinha com feridas na perna teve pouca melhora, apenas diminuiu o edema, mas foi suficiente para a dor diminuir.
Internei a pedido de outro médico, uma senhora que acabara de ter um AVC (derrame) e estava com diarréia. Essa paciente era fã do Papa também, se emocionava só em falar dele.Internei uma senhora, ainda jovem, com fratura de tíbia. Havia subido no telhado sozinha. Por que uma pessoa de seus 60 anos haveria de subir no telhado sem ajuda é coisa que não cabe na minha cabeça.
Entre uma evolução e outra, apareceram algumas consultas na emergência. Na hora do almoço, o jornal mostrou a piora do estado do Papa. Fui pessoalmente avisar à paciente e disse-lhe que a avisaria quando acontecesse. Deixei um tranquilizante prescrito e avisei à enfermagem cuidado com as notícias. Não queria um segundo derrame.
Um homem chegou mancando. Havia machucado o pé há duas semanas numa pedra. Tomou antibióticos e antiinflamatórios, sem melhora. Na outra emergência da cidade, apesar dele dizer que havia saída de pus, fizeram apenas um curativo. Removi o curativo e tirei a pele do local, havia pouco pus. Provavelmente o resto já havia drenado. Um sangramento começou e coloquei um gaze para comprimir. Estava fofo no local e muito dolorido. Estranho. Resolvi não arriscar e fiz uma incisão. O pus jorrou. Estava sob o músculo, havia uma área grande necrosada. Retirei o que pude, prescrevi uma antitetânica e recomendei retorno no dia seguinte. O osso do calcanhar estava muito perto e havia risco de osteomielite. pelo menos a dor passou.
Quase ao mesmo tempo, chegaram três pacientes. A primeira era uma volta. Tinha sintomas de infecção urinária, mas os exames só mostraram anemia. Como é uma adolescente de 12 anos, mesmo sendo uma anemia leve, é melhor tratar. Quando ela saiu, vi uma senhora embrulhada numa manta e tremendo. Era febre. Era diabética e estava doente há uma semana. "Tem vômitos?". "Não", e vomitou a seguir. Prescrevi medicação endovenosa devido à desidratação. O terceiro paciente tinha uma abscesso na mão. Parece que essa era a semana dos abscessos.
"Ajude aqui", ouvi a auxiliar gritar. "A paciente desmaiou", pensei. Fora o acompanhante. Coincidência, era a mesma auxiliar do último plantão. Juntos, eu, ela e o porteiro o levamos para outra maca. ela estava com dificuldade de encontrar uma veia na paciente. Em diabéticos e pacientes desidratados é realmente difícil. Acabamos conseguindo uma no pé.
O rapaz do abscesso continuava esperando. A primeira incisão foi superficial. A mão é cheia de tendões, músculos e ossos, e o perigo de lesioná-los é grande. A quantidade de secreção era pouca em relação ao edema. Mesmo a exploração da incisão com pinça não mostrou mais nada, nem pressionando. Então a auxiliar apertou o dorso da mão e encontramos onde estava o pus. O rapaz chorava sem parar. Foram uns trinta minutos mexendo na mão, mas ele deixou que fizéssemos tudo, apesar das lágrimas.
Depois, verificamos a glicemia daquela senhora. O filho dela já havia se recuperado. A glicose estava 281. Como ela usava insulina, não quis arriscar e internei-a. No meio da drenagem, a recepcionistra veio me avisar que o Papa havia falecido e aumentou o som da TV. Ouvi a voz de Bonner, embora não distinguisse as palavras. Só uma hora depois pude parar e saber dos detalhes.
Meu balanço final é que as mulheres desse plantão fazem os homem chorarem e caírem a seus pés. Ou não é?

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