Curtas
Já vi muita invenção, mas essa foi ótima: Ado não sabia fazer brigadeiro e me pediu instruções. "leite condensado, margarina e chocolate". De repente, percebo alguém refogando margarina! Ele refogou a margarina e colocou o leite condensado. Imagina o ponto do brigadeiro...
Quando se descobre que existem plantas chamadas hypoestes e columéia, não há muito mais em matéria de batismo.
Agora que o Dráuzio Varela concluiu que não existe MESMO uma maneira certa pra emagrecer, só se eu virar doadora de tecido adiposo em vida.
quinta-feira, maio 26, 2005
Do blog da Bu
REVERÊNCIA AO DESTINO
(Carlos Drummond de Andrade)
Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem uma opinião.
Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer antes que a pessoa se vá.
Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias. Difícil é encontrar e refletir sobre os seus próprios erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.
Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir.
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso. E com confiança no que diz.
Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre esta situação.
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer. Ou ter coragem pra fazer.
Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo te deixa irritado.
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece, te respeita e te entende. E é assim que perdemos pessoas especiais.
Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar. Difícil é mentir para o nosso coração.
Fácil é ver o que queremos enxergar. Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto. Admitir
que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.
Fácil é dizer "oi" ou "como vai?" Difícil é dizer "adeus". Principalmente quando somos culpados pela partida de alguém das nossas vidas...
Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados. Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica quando tocamos a pessoa certa.
Fácil é querer ser amado. Difícil é amar completamente só. Amar de verdade, sem ter medo de viver, amar e se entregar. E aprender a dar valor somente a quem te ama.
Fácil é ouvir a música que toca. Difícil é ouvir a consciência acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.
Fácil é ditar regras. Difícil é segui-las.
Ter a noção exata de nossas próprias vidas, ao invés de ter noção das vidas dos outros.
Fácil é perguntar o que deseja saber. Difícil é estar preparado para escutar esta resposta. Ou querer entender a resposta.
Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade. Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria.
Fácil é dar um beijo. Difícil é entregar a alma. Sinceramente, por inteiro.
Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida. Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como és e te
fazer feliz por inteiro.
Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica. Difícil é ocupar o coração de alguém. Saber se é realmente amado.
Fácil é sonhar todas as noites. Difícil é lutar por um sonho.
Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.
REVERÊNCIA AO DESTINO
(Carlos Drummond de Andrade)
Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem uma opinião.
Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer antes que a pessoa se vá.
Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias. Difícil é encontrar e refletir sobre os seus próprios erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.
Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir.
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso. E com confiança no que diz.
Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre esta situação.
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer. Ou ter coragem pra fazer.
Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo te deixa irritado.
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece, te respeita e te entende. E é assim que perdemos pessoas especiais.
Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar. Difícil é mentir para o nosso coração.
Fácil é ver o que queremos enxergar. Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto. Admitir
que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.
Fácil é dizer "oi" ou "como vai?" Difícil é dizer "adeus". Principalmente quando somos culpados pela partida de alguém das nossas vidas...
Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados. Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica quando tocamos a pessoa certa.
Fácil é querer ser amado. Difícil é amar completamente só. Amar de verdade, sem ter medo de viver, amar e se entregar. E aprender a dar valor somente a quem te ama.
Fácil é ouvir a música que toca. Difícil é ouvir a consciência acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.
Fácil é ditar regras. Difícil é segui-las.
Ter a noção exata de nossas próprias vidas, ao invés de ter noção das vidas dos outros.
Fácil é perguntar o que deseja saber. Difícil é estar preparado para escutar esta resposta. Ou querer entender a resposta.
Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade. Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria.
Fácil é dar um beijo. Difícil é entregar a alma. Sinceramente, por inteiro.
Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida. Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como és e te
fazer feliz por inteiro.
Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica. Difícil é ocupar o coração de alguém. Saber se é realmente amado.
Fácil é sonhar todas as noites. Difícil é lutar por um sonho.
Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.
domingo, maio 22, 2005
La dolce vita.
Uma das melhores recompensas de se trabalhar com crianças são as próprias crianças. No último sábado entrou uma menininha em lágrimas no consultório “doutora, não tem vacina, tem?”. Devia ter uns quatro anos. Depois que garanti que não, pedi que se aproximasse para examiná-la. Abri os braços pra mostrar que não tinha injeção e ela se jogou em cima de mim! Um abraço tão gostoso, e eu tão gripada, de máscara, com medo de passar a gripe pra ela, acho que nem aproveitei o abraço direito. Saiu de lá com remédio pra casa, nem passou pelo posto de enfermagem.
Na terça-feira, estava evoluindo os internos da Pediatria, um pequenininho veio com uns olhos deste tamanho “doutora, me dá alta?”. “Espero que sim, deixe ver você”. Era uma pneumonia, não tinha mais febre, nem falta de ar, já podia tomar o remédio pela boca. Preenchi a receita pra casa, a papelada sem fim da alta e me distrai com os outros pacientes (tinha uns 30 internos). De repente, alguém se aproxima e me dá um beijo (e eu gripada e de máscara!) “tchau! Brigado!”. Era o menino. Estava indo embora. A mãe esperava lá na porta.
Ontem foi uma garotinha de três anos. “Habitueé” lá da emergência devida à asma já foi entrando e dizendo “doutora, não precisa de injeção, por favor!”. Só que ela não estava nem tossindo nem cansada. Tinha torcido o joelho, mas estava tão apavorada e chorava tanto que não deixava nem examinar direito. Muita conversa depois, ficou acertado que íamos tirar “uma foto” (raio-x) do joelho e o remédio pra dor era “pela boca”. Voltou depois, com o joelho imobilizado (nada quebrado), ganhou minha última amostra de antiinflamatório e veio mancando me dar um beijo de despedida, sem ordem materna. E EU AINDA ESTOU GRIPADA!
Uma das melhores recompensas de se trabalhar com crianças são as próprias crianças. No último sábado entrou uma menininha em lágrimas no consultório “doutora, não tem vacina, tem?”. Devia ter uns quatro anos. Depois que garanti que não, pedi que se aproximasse para examiná-la. Abri os braços pra mostrar que não tinha injeção e ela se jogou em cima de mim! Um abraço tão gostoso, e eu tão gripada, de máscara, com medo de passar a gripe pra ela, acho que nem aproveitei o abraço direito. Saiu de lá com remédio pra casa, nem passou pelo posto de enfermagem.
Na terça-feira, estava evoluindo os internos da Pediatria, um pequenininho veio com uns olhos deste tamanho “doutora, me dá alta?”. “Espero que sim, deixe ver você”. Era uma pneumonia, não tinha mais febre, nem falta de ar, já podia tomar o remédio pela boca. Preenchi a receita pra casa, a papelada sem fim da alta e me distrai com os outros pacientes (tinha uns 30 internos). De repente, alguém se aproxima e me dá um beijo (e eu gripada e de máscara!) “tchau! Brigado!”. Era o menino. Estava indo embora. A mãe esperava lá na porta.
Ontem foi uma garotinha de três anos. “Habitueé” lá da emergência devida à asma já foi entrando e dizendo “doutora, não precisa de injeção, por favor!”. Só que ela não estava nem tossindo nem cansada. Tinha torcido o joelho, mas estava tão apavorada e chorava tanto que não deixava nem examinar direito. Muita conversa depois, ficou acertado que íamos tirar “uma foto” (raio-x) do joelho e o remédio pra dor era “pela boca”. Voltou depois, com o joelho imobilizado (nada quebrado), ganhou minha última amostra de antiinflamatório e veio mancando me dar um beijo de despedida, sem ordem materna. E EU AINDA ESTOU GRIPADA!
21.05.05
Muito prazer, Ira! Parece incrível, mas por todos esses anos eu só conhecia uma música do grupo : Flores em você, por causa da propaganda da vinólia. É, Tv é cultura. Não, não se horrorize. Eu sou completamente desligada de música. Graças a Ado, venho conhecendo muitas bandas boas, embora algumas continuem um perfeito mistério. Por que as pessoas gostam de gente que berra em inglês embora fale originariamente alemão? (Bom, quem sou eu pra falar? Roxette canta doce e tristemente em inglês embora seja finlandês) E agora eu ando pelos cantos cantando“um girassol sem sol, um navio sem direção”.
Andei por tantas cidades e pessoas que nada tinham a ver comigo que a trilha do ano passado certamente é “Garganta”, da Ana Carolina. Quantas vezes me peguei pensando lá em São Rafael “Vim parar nessa cidade por força das circunstâncias”!
Muito prazer, Ira! Parece incrível, mas por todos esses anos eu só conhecia uma música do grupo : Flores em você, por causa da propaganda da vinólia. É, Tv é cultura. Não, não se horrorize. Eu sou completamente desligada de música. Graças a Ado, venho conhecendo muitas bandas boas, embora algumas continuem um perfeito mistério. Por que as pessoas gostam de gente que berra em inglês embora fale originariamente alemão? (Bom, quem sou eu pra falar? Roxette canta doce e tristemente em inglês embora seja finlandês) E agora eu ando pelos cantos cantando“um girassol sem sol, um navio sem direção”.
Andei por tantas cidades e pessoas que nada tinham a ver comigo que a trilha do ano passado certamente é “Garganta”, da Ana Carolina. Quantas vezes me peguei pensando lá em São Rafael “Vim parar nessa cidade por força das circunstâncias”!
quinta-feira, maio 19, 2005
Do Uma dama não comenta
Eu não acredito em sucessão papal. Não mesmo. Ora veja, enquanto eu crescia - seguindo os conceitos católicos, apostólicos e romanos - me ensinaram que tinha um cara, já meio coroa, que era o chefe de TODA a Santa Madre Igreja e que o nome dele era Papa João Paulo II. Aí, no meio desse ano, vem um povo dizer que já existiram outros caras chamados Papa e que quando esse abotoasse a batina, viria outro.
Ah não! Ae, caléga, pára esse mundo que vou descer aqui. Esse pessoal simplesmente não compreende que algumas coisas não podem mudar, dizer que esse coroa mal-encarado é o novo Papa é dizer que daqui a pouco vem outro John Lennon, outro Garrincha, outro Stanislaw Ponte Preta! Não, não, não E não. Graças à essa mesma Igreja - Santa, Madre, Católica, Apostólica e Romana - eu sou conservadora o suficiente para não aceitar duas coisas bem básicas nesse lance de sucessão papal:
1 - O Papa se chama João Paulo II e não Karol "Voitila";
2 - Ele não é substituível.
E tenho dito.
Eu não acredito em sucessão papal. Não mesmo. Ora veja, enquanto eu crescia - seguindo os conceitos católicos, apostólicos e romanos - me ensinaram que tinha um cara, já meio coroa, que era o chefe de TODA a Santa Madre Igreja e que o nome dele era Papa João Paulo II. Aí, no meio desse ano, vem um povo dizer que já existiram outros caras chamados Papa e que quando esse abotoasse a batina, viria outro.
Ah não! Ae, caléga, pára esse mundo que vou descer aqui. Esse pessoal simplesmente não compreende que algumas coisas não podem mudar, dizer que esse coroa mal-encarado é o novo Papa é dizer que daqui a pouco vem outro John Lennon, outro Garrincha, outro Stanislaw Ponte Preta! Não, não, não E não. Graças à essa mesma Igreja - Santa, Madre, Católica, Apostólica e Romana - eu sou conservadora o suficiente para não aceitar duas coisas bem básicas nesse lance de sucessão papal:
1 - O Papa se chama João Paulo II e não Karol "Voitila";
2 - Ele não é substituível.
E tenho dito.
Plantão de segunda-feira
Atender gente doente estando doente também não é nenhuma maravilha, pode apostar. Meu primeiro paciente era um senhor cor-de-rosa, com uma falta de ar súbita. A pressão arterial estava 230 x 140, além de ser diabético. Tivera um derrame há uns anos e não estava falando. Suspeitei de uma insuficiência cárdio-respiratória e iniciei suporte ventilatório além de controle da pressão. Depois avisaram que algum tempo antes uma senhora asmática tivera uma parada cárdiorespiratória e fora reanimada com sucesso. Fui lá vê-la. Estava muito bem, obrigada. Não lembrava de ter desmaiado, ter sido intubada, nada, nada. Ainda estava muito cansada, apesar de continuar recebendo medicação no soro e oxigênio e resolvi interná-la. Mais alguns pacientes, a maioria com a virose do momento, outra asmática, também foi internada. A filha do senhor cor-de-rosa veio me chamar. Ele não estava urinando, só então me disse que ele já fora socorrido mais cedo com uma retenção urinária. O paciente mesmo era tão envergonhado que só contara à filha, não falou comigo. Resolvi interná-lo e mandei passar uma sonda vesical de demora por causa da história de um “problema de próstata”. Ficar passando sonda de alívio num paciente com uma causa crônica de retenção urinária, além de dar um alívio temporário, aumenta as chances de infecção. A cada vez que se passa a sonda pelo canal uretral a chance de introduzir bactérias aumenta, então é melhor deixar uma sonda fixa por lá até ser possível resolver o problema.
Mais gente, com diarréia, com febre, com pneumonia. Uma senhora com labirintite caiu e cortou a testa. A segunda queda em três semanas. “Mas eu não tomo café há dois anos!”. E adora chocolate. Por que será que ela caiu? Espero que tenha escutado e siga as orientações, senão a próxima entrada poderá ser por fratura de fêmur, né?
Depois teve uma cesariana, uma menininha linda, imensa, quase que não saía. Pensaram até em aumentar o tamanho da incisão.
Finalmente minha colega! Doente. Uma maldade imensa deixá-la sozinha na emergência, mas eu tinha o berçário e a enfermaria de Pediatria, fazer o quê? Pouca gente no berçário (pode-se chamar alguém com 18 horas de vida de gente?) e fui pra pediatria.
Mal tinha começado o telefone toca. Não conseguiam passar a sonda no paciente. Já vou, já vou. Encontro o enfermeiro-chefe, profissional competentíssimo às voltas com uma situação rara: a sonda não passava pela uretra do paciente porque a obstrução não se devia nada mais que a um cálculo, que estava passando naquele momento pela uretra! E fiquei assistindo àquela situação dolorosíssima, um verdadeiro parto. (Depois, a história dessa pedra andou por todo o hospital, claro) O paciente voltou a falar depois disso (por que será?). Detalhe que tudo se passou sem um grito da parte dele!!!!!!
O terceiro colega chegou (se recuperando da gripe) às sete da noite. Graças a Deus, porque daí a pouco a colega não aguentou de tanta dor e vômitos e foi pro soro. Eu já havia desabado também, com uma dor de cabeça que me acompanhou por toda a noite.
Atender gente doente estando doente também não é nenhuma maravilha, pode apostar. Meu primeiro paciente era um senhor cor-de-rosa, com uma falta de ar súbita. A pressão arterial estava 230 x 140, além de ser diabético. Tivera um derrame há uns anos e não estava falando. Suspeitei de uma insuficiência cárdio-respiratória e iniciei suporte ventilatório além de controle da pressão. Depois avisaram que algum tempo antes uma senhora asmática tivera uma parada cárdiorespiratória e fora reanimada com sucesso. Fui lá vê-la. Estava muito bem, obrigada. Não lembrava de ter desmaiado, ter sido intubada, nada, nada. Ainda estava muito cansada, apesar de continuar recebendo medicação no soro e oxigênio e resolvi interná-la. Mais alguns pacientes, a maioria com a virose do momento, outra asmática, também foi internada. A filha do senhor cor-de-rosa veio me chamar. Ele não estava urinando, só então me disse que ele já fora socorrido mais cedo com uma retenção urinária. O paciente mesmo era tão envergonhado que só contara à filha, não falou comigo. Resolvi interná-lo e mandei passar uma sonda vesical de demora por causa da história de um “problema de próstata”. Ficar passando sonda de alívio num paciente com uma causa crônica de retenção urinária, além de dar um alívio temporário, aumenta as chances de infecção. A cada vez que se passa a sonda pelo canal uretral a chance de introduzir bactérias aumenta, então é melhor deixar uma sonda fixa por lá até ser possível resolver o problema.
Mais gente, com diarréia, com febre, com pneumonia. Uma senhora com labirintite caiu e cortou a testa. A segunda queda em três semanas. “Mas eu não tomo café há dois anos!”. E adora chocolate. Por que será que ela caiu? Espero que tenha escutado e siga as orientações, senão a próxima entrada poderá ser por fratura de fêmur, né?
Depois teve uma cesariana, uma menininha linda, imensa, quase que não saía. Pensaram até em aumentar o tamanho da incisão.
Finalmente minha colega! Doente. Uma maldade imensa deixá-la sozinha na emergência, mas eu tinha o berçário e a enfermaria de Pediatria, fazer o quê? Pouca gente no berçário (pode-se chamar alguém com 18 horas de vida de gente?) e fui pra pediatria.
Mal tinha começado o telefone toca. Não conseguiam passar a sonda no paciente. Já vou, já vou. Encontro o enfermeiro-chefe, profissional competentíssimo às voltas com uma situação rara: a sonda não passava pela uretra do paciente porque a obstrução não se devia nada mais que a um cálculo, que estava passando naquele momento pela uretra! E fiquei assistindo àquela situação dolorosíssima, um verdadeiro parto. (Depois, a história dessa pedra andou por todo o hospital, claro) O paciente voltou a falar depois disso (por que será?). Detalhe que tudo se passou sem um grito da parte dele!!!!!!
O terceiro colega chegou (se recuperando da gripe) às sete da noite. Graças a Deus, porque daí a pouco a colega não aguentou de tanta dor e vômitos e foi pro soro. Eu já havia desabado também, com uma dor de cabeça que me acompanhou por toda a noite.
18.05.05
Finalmente terminando “O código Da Vinci”. Não. O livro não é tudo o que dizem. É muitíssimo mal escrito. O que prende é a história, que sem dúvida é muito boa. Bem sei que ler e-books é mais lento, mas demorei mais de um mês pra terminar e, no meu caso, isso é um recorde de lentidão. Sinal que o livro não prende. Recentemente peguei três livros emprestados com Fernanda que ilustram bem a realidade. Existem livros que são uma perfeita decepção, você passa anos esperando para lê-los e desilude-se terrivelmente: “Mulheres apaixonadas”, de D. H. Lawrence, é uma maçada do começo ao fim. Outros correspondem perfeitamente à expectativa, nem mais, nem menos, sem grandes surpresas: “A velhinha de Taubaté”, de Luís Fernando Veríssimo, deliciosamente divertido. E outros, que você não dá nada, te pegam de surpresa: “As chaves do reino”, de A. J. Cronin, que eu só trouxe por insistência de Fernanda. Aliás, ando lendo muitos livros de autores médicos: Dráuzio Varela, Moacir Scliar, Cronin. Só falta eu começar.
A maldição de Eva não foi ”Parirás teus filhos com dor”, certamente a condenação foi “Sangrarás todos os meses com dor”.
Finalmente terminando “O código Da Vinci”. Não. O livro não é tudo o que dizem. É muitíssimo mal escrito. O que prende é a história, que sem dúvida é muito boa. Bem sei que ler e-books é mais lento, mas demorei mais de um mês pra terminar e, no meu caso, isso é um recorde de lentidão. Sinal que o livro não prende. Recentemente peguei três livros emprestados com Fernanda que ilustram bem a realidade. Existem livros que são uma perfeita decepção, você passa anos esperando para lê-los e desilude-se terrivelmente: “Mulheres apaixonadas”, de D. H. Lawrence, é uma maçada do começo ao fim. Outros correspondem perfeitamente à expectativa, nem mais, nem menos, sem grandes surpresas: “A velhinha de Taubaté”, de Luís Fernando Veríssimo, deliciosamente divertido. E outros, que você não dá nada, te pegam de surpresa: “As chaves do reino”, de A. J. Cronin, que eu só trouxe por insistência de Fernanda. Aliás, ando lendo muitos livros de autores médicos: Dráuzio Varela, Moacir Scliar, Cronin. Só falta eu começar.
A maldição de Eva não foi ”Parirás teus filhos com dor”, certamente a condenação foi “Sangrarás todos os meses com dor”.
17.05.05
Desde que li “Por um fio”, ando com tantas idéias que meus pensamentos poderiam ser registrados textualmente. É como se estivesse escrevendo para mim mesma. Deveria estar registrado tudo isso.
Resolvi catalogar todos os livros que temos. De vez em quando sinto falta de algum. Desde que o carro foi roubado com duas caixas de livros dentro que ainda não sei o que se foi exatamente. Sem falar que agora tem tanto VHS por aqui que já dá pra começar uma locadora.
Queria disposição para pintar essas prateleiras, mas essa gripe não colabora mesmo. Estou moída. E ainda quebrei o vídeocassete tentando limpar o cabeçote. Saco. Justo hoje que o dia pedia filme, edredom e sofá-cama.
Desde que li “Por um fio”, ando com tantas idéias que meus pensamentos poderiam ser registrados textualmente. É como se estivesse escrevendo para mim mesma. Deveria estar registrado tudo isso.
Resolvi catalogar todos os livros que temos. De vez em quando sinto falta de algum. Desde que o carro foi roubado com duas caixas de livros dentro que ainda não sei o que se foi exatamente. Sem falar que agora tem tanto VHS por aqui que já dá pra começar uma locadora.
Queria disposição para pintar essas prateleiras, mas essa gripe não colabora mesmo. Estou moída. E ainda quebrei o vídeocassete tentando limpar o cabeçote. Saco. Justo hoje que o dia pedia filme, edredom e sofá-cama.
domingo, maio 15, 2005
Doutora gribada
Cof, cof. Imagina uma médica gripadaça atendendo um monte de pequenos gripados. E de máscara porque nem todos estavam com gripe. A epidemia de rotavírus (diarréia, vômito e febre) continua e os asmáticos pareciam ter marcado um encontro nacional neste último sábado naquela emergência. De diferente mesmo só um menino que bateu com a cabeça e uma garotinha que, além do rotavírus, tomou AAS infantil pra febre e teve uma urticária só no couro cabeludo! Eu SABIA que devia ter levado a câmera...
Também teve uma garota que bebeu acetona, mas quem viu foi meu colega.(quem é a irresponsável que deixa essas coisas à mão?).
Bom, a gripe veio por razões simples: eu detesto sombrinha e guarda-chuva (acessem a comunidade "Adoro banho de chuva" no Orkut, da minha amada Doda), e quinta-feira fui acertar mais um plantão, dessa vez pra sexta-feira. Acabou que a chuva estava t]ao forte que TIVE que comprar uma sombrinha mas já era tarde, porque esse ano eu não tomei a vacina pra gripe. E lá vou eu pro aniversário do meu concunhado com essa cara de quem está morrendo.
Cof, cof. Imagina uma médica gripadaça atendendo um monte de pequenos gripados. E de máscara porque nem todos estavam com gripe. A epidemia de rotavírus (diarréia, vômito e febre) continua e os asmáticos pareciam ter marcado um encontro nacional neste último sábado naquela emergência. De diferente mesmo só um menino que bateu com a cabeça e uma garotinha que, além do rotavírus, tomou AAS infantil pra febre e teve uma urticária só no couro cabeludo! Eu SABIA que devia ter levado a câmera...
Também teve uma garota que bebeu acetona, mas quem viu foi meu colega.(quem é a irresponsável que deixa essas coisas à mão?).
Bom, a gripe veio por razões simples: eu detesto sombrinha e guarda-chuva (acessem a comunidade "Adoro banho de chuva" no Orkut, da minha amada Doda), e quinta-feira fui acertar mais um plantão, dessa vez pra sexta-feira. Acabou que a chuva estava t]ao forte que TIVE que comprar uma sombrinha mas já era tarde, porque esse ano eu não tomei a vacina pra gripe. E lá vou eu pro aniversário do meu concunhado com essa cara de quem está morrendo.
sexta-feira, maio 13, 2005
Câmera digital!
Desde que minha máquina fotográfica foi roubada em 96, não tive mas nada que registrasse imagens. Até que Fabiana, namorada do meu irmão, me mandou a maravilhosa notícia que estava passando a dela adiante, completamente OK. Veio com tudo, até nota fiscal. Chegou hoje e ainda não sei mexer diteito nela, mas já registrei Nikita!
Desde que minha máquina fotográfica foi roubada em 96, não tive mas nada que registrasse imagens. Até que Fabiana, namorada do meu irmão, me mandou a maravilhosa notícia que estava passando a dela adiante, completamente OK. Veio com tudo, até nota fiscal. Chegou hoje e ainda não sei mexer diteito nela, mas já registrei Nikita!
quarta-feira, maio 11, 2005
10.05.05
Se eu fosse o Pedro Bial, fazia um clareamento nos dentes. Já que ele quer ser um homme fatal que faça jus, né?
Alguém aí quer uma cachorra que late depois das 22 horas, tem ciúme do telefone e não te deixa assistir o jornal?
Vou trocar minhas fotos de magra na porta da geladeira por uma só da Juliana Paes.
Se eu fosse o Pedro Bial, fazia um clareamento nos dentes. Já que ele quer ser um homme fatal que faça jus, né?
Alguém aí quer uma cachorra que late depois das 22 horas, tem ciúme do telefone e não te deixa assistir o jornal?
Vou trocar minhas fotos de magra na porta da geladeira por uma só da Juliana Paes.
Dia seguinte
Aí me telefonam pedindo pra fazer as evoluções da Pediatria e algumas outras mais pra ganhar um extra, num total de 45 (ai minha mão). Começando às seis da manhã, cheguei às duas da tarde em casa. O bom do dia foi terminar “Por um fio” do genial Dráuzio Varela. Me encontrei como gente e como médica.
Aí me telefonam pedindo pra fazer as evoluções da Pediatria e algumas outras mais pra ganhar um extra, num total de 45 (ai minha mão). Começando às seis da manhã, cheguei às duas da tarde em casa. O bom do dia foi terminar “Por um fio” do genial Dráuzio Varela. Me encontrei como gente e como médica.
Plantão da Segunda-feira
Sinceramente, não lembro de tanta coisa assim do plantão de ontem. Vi tanta gente que ficou difícil de lembrar dos casos. Finalmente tenho alguém pra dar uma força na parte da tarde. Pra variar, havia uma pilha de fichas quando cheguei e finalmente eu disse chega. Só urgências. Num instante a auxiliar deu um jeito e o povo esperou até á tarde. De fato, ficaram só urgências. De 28 pacientes atendidos, internei 12 e transferi um. Um rapaz caiu de uma moto e teve uma fratura exposta do mindinho do pé. O enfermeiro-chefe deu uma força, solicitou raio-x, encaminhou pro ortopedista. Ainda bem, porque a emergência estava fervendo. Um senhor com dor abdominal e retenção urinária. Havia sido socorrido há umas quatro horas e estava do mesmo jeito. Provável aumento de próstata: internamento para investigação. Sem falar que ficar indo e voltando de um sítio com retenção urinária pra passar uma sonda, se arriscando a uma infecção urinária não contribui em nada pra qualidade de vida.
Um senhor com tosse, falta de ar e febre há uma semana, o exame físico confirmou pneumonia e a própria filha pediu o internamento. O problema era vaga. Procura o enfermeiro-chefe. Outro senhor, esse com diabetes e com seqüela de derrame, rebelde, desses que esconde biscoito recheado e confeito pelo quarto, teve três convulsões esta semana. Estava vomitando e com febre. Iniciou estas convulsões este mês. Nada que indicasse epilepsia. Conversei com os filhos dele e admiti que era bem provável que a diabetes estivesse descontrolada por alguma infecção que as manifestações neurológicas culminassem em coma diabético. Sugeri internar para investigação. Faltava conseguir vaga.
Um rapaz de 33 anos, alcoolista assumido, com os pés inchados e cheios de bolhas, com feridas por todo o corpo. O prontuário com diversos registros semelhantes. O diagnóstico era pelagra, por desnutrição, e celulite profunda. Ficou desesperado quando falei da falta de vagas. Acho que não tem ninguém nesse mundo. Uma pessoa tão legal! De conversa fácil, já tentou o AA, sabe a Oração da Serenidade, perguntou e tentou entender o porquê das feridas. Deu vontade de ficar ali, conversando com ele. Poderia ser um amigo meu, apesar da sujeira. Estava há dias sem beber, tremendo como um doente avançado de Parkinson. Iniciei um soro com açúcar e vitaminas e prometi que faria o possível por uma vaga, até mesmo na enfermaria dos doentes crônicos.
Finalmente o enfermeiro-chefe! Sem problemas com vagas. Era só transformar em enfermaria masculina de clínica de outra ala qualquer. Graças a Deus. Porque a essa altura tinha mais uma senhora com diarréia e vômitos, outra com a pressão alta demais e um senhor com dor abdominal, constipação intestinal e retenção urinária.
Outro senhor, com tosse e expectoração branca há oito meses, falta de ar e dificuldade para engolir, sem febre, ex-fumante. Não gostei do que ouvi, principalmente no pulmão direito. Pedi um raio-x do tórax e gostei menos ainda. Decidi internar porque a possibilidade de câncer de pulmão era muito forte, mas queria descartar tuberculose. O ruim nesses casos é que você não quer apavorar o paciente mas não quer que toda a família fique na ignorância, porque é muito comum essas criaturas ficaram andando pra lá e pra cá sem que os médicos criem coragem de contar a verdade e eu geralmente não vejo mais esses pacientes. O que acho de uma omissão e covardia absurdas. Portanto, sempre avalio a situação. Se acho que o paciente tem equilíbrio suficiente, se a chance é muito grande, deixo claro que não tenho certeza com apenas uma consulta numa emergência, mas que a suspeita existe e que é melhor investigar, que é melhor um susto do que ignorar um aviso prévio. Se não dá pra falar direto com o paciente, dou um jeito de falar com o acompanhante sem que o paciente perceba. A melhor maneira é quando o paciente vai ser medicado. Sem dá pra afastar o acompanhante um instante e conversar um pouco. O que não dá é ser omisso. Naquele caso, falei com a filha do paciente.
Mais gente com diarréia e vômitos, aliás, deve ser outro surto de rotavírus. Um rapaz de 14 anos com dor abdominal há 3 dias, febre e vômitos há 12 horas, o exame clínico revelou dor em fossa ilíaca direita (pé da barriga). Provável apendicite. Na falta de um laboratório, encaminhei para a cidade vizinha, que tem laboratório e cirurgião (o diagnóstico de apendicite é feito pela história clínica, exame físico e hemograma sugestivo de infecção). Pois não é que o rapaz voltou, sem qualquer bilhete, com o recado verbal do cirurgião que dizia mais ou menos o seguinte: o rapaz não tinha febre (estava com 38,5ºC quando examinei) nem dor importante (havia tomado uma dose pequena de dipirona antes de pegar a estrada, como recomenda qualquer manual de cirurgia, que dá conforto pro paciente devido aos trancos da estrada, não interfere no exame físico e se a dor é muito forte vai voltar independente de uma dose tão fraca) e que no dia seguinte ele faria uma ultrassonografia pra tirar a dúvida porque estaria de plantão no meu serviço. Não tinha feito hemograma. Detalhe: 60% das apendicites não aparecem nas ultrassonografias. Eu acho que alguém está desaprendendo. Internei o rapaz na cirurgia pro colega avaliar no dia seguinte.
O rapaz da fratura exposta voltou. O ortopedista mandou suturar e encaminhou para o ambulatório hoje. Um rapaz superlegal. Lamentando que já é o segundo ano que se machuca perto do São João e não pode dançar quadrilha. Já passava de duas da tarde quando minha colega chegou e pude ir almoçar. Depois voltei pra terminar os internamentos.
O berçário estava cheio, com todo mundo esperando pra ter alta. Só tem alta o recém-nascido com classificação sanguínea e exame de sífilis negativo. Incompatilidade sanguínea pode dar icterícia (pele e olhos amarelos), que pode dar retardamento mental. Difícil é convencer a mãe que o menino não vai ter alta só porque está amarelo e tem que ficar num berço iluminado (a luz degrada a bilirrubina, que dá a cor amarela à pele), apesar o bom estado geral. Tem gente que diz que vai assinar termo de responsabilidade, que o marido vai tirar a criança à força, etc. Na verdade, ninguém tira uma criança do hospital sem ordem médica. A tutela é do Estado. Qualquer problema, chama-se o Conselho tutelar. A gente nem bate mais boca. Havia uns dez bebês e nada dos exames. Estava terminado quando houve um parto (o menino se apressou e tive que cortar a mãe antes que a parteira terminasse de colocar as luvas). Quando já estava preenchendo a ficha (teve uma cesárea na mesma hora e a auxiliar deu uma ajuda), a enfermeira da Pediatria chega na Maternidade com essa; doutora, quando é que a senhora vai ver os meninos lá de baixo?
Ninguém havia me avisado que metade dos meninos da Pediatria seria vista por mim. Aliás, nem que eu soubesse teria chegado lá mais cedo. Eram quase seis da tarde e faltavam uns 15 meninos. Vamos lá. Quando eu terminei de LER as quinze fichas (pra conhecer os casos antes de examinar os pacientes), chegaram os exames dos bebês. Pára tudo (para maior aborrecimento das mães da Pediatria que já havia esperado o dia inteiro) pra dar alta pros recém-nascidos. Até terminar todo mundo, as oito horas vieram e eu disse adeus, intimamente, ao Jornal Nacional, ao William e à Fátima. Tive pena especialmente de dois garotinhos. Um, com glomerulonefrite, uma inflamação nos rins, que sobe a pressão, que indica dieta sem sal e repouso, e outro, com febre reumática, tomando benzetacil todo dia e fazendo repouso também.
Finalmente jantar. Que dizer, antes, a acompanhante daquele senhor com constipação intestinal e retenção urinária disse que ele continuava com dor. Após a lavagem intestinal, não tive tempo de reexaminar o abdome do paciente (falha minha) e a sondagem da bexiga revelou pouca urina. O terceiro colega do plantão e o enfermeiro-chefe acharam que era uma hérnia encarcerada. Provavelmente, ele tinha uma hérnia (que não percebi devido ao abdome cheio de fezes) e o esforço para evacuar estrangulou a hérnia. A retenção urinária era coincidência. Conclusão: se um paciente persiste com queixa após algum tratamento, reavalie, pense em outra hipótese, considere se você não errou. Eu errei. O paciente foi pra Recife e está bem. Ainda bem.
Até que o horário da madrugada foi tranqüilo. Um cara com mal-estar no peito, pressão alta e bebendo há dois dias sem parar. Uma senhora com pressão alta. Essas coisas.
Quá-quá-quá. Disse que não lembrava de tanta coisa.
Sinceramente, não lembro de tanta coisa assim do plantão de ontem. Vi tanta gente que ficou difícil de lembrar dos casos. Finalmente tenho alguém pra dar uma força na parte da tarde. Pra variar, havia uma pilha de fichas quando cheguei e finalmente eu disse chega. Só urgências. Num instante a auxiliar deu um jeito e o povo esperou até á tarde. De fato, ficaram só urgências. De 28 pacientes atendidos, internei 12 e transferi um. Um rapaz caiu de uma moto e teve uma fratura exposta do mindinho do pé. O enfermeiro-chefe deu uma força, solicitou raio-x, encaminhou pro ortopedista. Ainda bem, porque a emergência estava fervendo. Um senhor com dor abdominal e retenção urinária. Havia sido socorrido há umas quatro horas e estava do mesmo jeito. Provável aumento de próstata: internamento para investigação. Sem falar que ficar indo e voltando de um sítio com retenção urinária pra passar uma sonda, se arriscando a uma infecção urinária não contribui em nada pra qualidade de vida.
Um senhor com tosse, falta de ar e febre há uma semana, o exame físico confirmou pneumonia e a própria filha pediu o internamento. O problema era vaga. Procura o enfermeiro-chefe. Outro senhor, esse com diabetes e com seqüela de derrame, rebelde, desses que esconde biscoito recheado e confeito pelo quarto, teve três convulsões esta semana. Estava vomitando e com febre. Iniciou estas convulsões este mês. Nada que indicasse epilepsia. Conversei com os filhos dele e admiti que era bem provável que a diabetes estivesse descontrolada por alguma infecção que as manifestações neurológicas culminassem em coma diabético. Sugeri internar para investigação. Faltava conseguir vaga.
Um rapaz de 33 anos, alcoolista assumido, com os pés inchados e cheios de bolhas, com feridas por todo o corpo. O prontuário com diversos registros semelhantes. O diagnóstico era pelagra, por desnutrição, e celulite profunda. Ficou desesperado quando falei da falta de vagas. Acho que não tem ninguém nesse mundo. Uma pessoa tão legal! De conversa fácil, já tentou o AA, sabe a Oração da Serenidade, perguntou e tentou entender o porquê das feridas. Deu vontade de ficar ali, conversando com ele. Poderia ser um amigo meu, apesar da sujeira. Estava há dias sem beber, tremendo como um doente avançado de Parkinson. Iniciei um soro com açúcar e vitaminas e prometi que faria o possível por uma vaga, até mesmo na enfermaria dos doentes crônicos.
Finalmente o enfermeiro-chefe! Sem problemas com vagas. Era só transformar em enfermaria masculina de clínica de outra ala qualquer. Graças a Deus. Porque a essa altura tinha mais uma senhora com diarréia e vômitos, outra com a pressão alta demais e um senhor com dor abdominal, constipação intestinal e retenção urinária.
Outro senhor, com tosse e expectoração branca há oito meses, falta de ar e dificuldade para engolir, sem febre, ex-fumante. Não gostei do que ouvi, principalmente no pulmão direito. Pedi um raio-x do tórax e gostei menos ainda. Decidi internar porque a possibilidade de câncer de pulmão era muito forte, mas queria descartar tuberculose. O ruim nesses casos é que você não quer apavorar o paciente mas não quer que toda a família fique na ignorância, porque é muito comum essas criaturas ficaram andando pra lá e pra cá sem que os médicos criem coragem de contar a verdade e eu geralmente não vejo mais esses pacientes. O que acho de uma omissão e covardia absurdas. Portanto, sempre avalio a situação. Se acho que o paciente tem equilíbrio suficiente, se a chance é muito grande, deixo claro que não tenho certeza com apenas uma consulta numa emergência, mas que a suspeita existe e que é melhor investigar, que é melhor um susto do que ignorar um aviso prévio. Se não dá pra falar direto com o paciente, dou um jeito de falar com o acompanhante sem que o paciente perceba. A melhor maneira é quando o paciente vai ser medicado. Sem dá pra afastar o acompanhante um instante e conversar um pouco. O que não dá é ser omisso. Naquele caso, falei com a filha do paciente.
Mais gente com diarréia e vômitos, aliás, deve ser outro surto de rotavírus. Um rapaz de 14 anos com dor abdominal há 3 dias, febre e vômitos há 12 horas, o exame clínico revelou dor em fossa ilíaca direita (pé da barriga). Provável apendicite. Na falta de um laboratório, encaminhei para a cidade vizinha, que tem laboratório e cirurgião (o diagnóstico de apendicite é feito pela história clínica, exame físico e hemograma sugestivo de infecção). Pois não é que o rapaz voltou, sem qualquer bilhete, com o recado verbal do cirurgião que dizia mais ou menos o seguinte: o rapaz não tinha febre (estava com 38,5ºC quando examinei) nem dor importante (havia tomado uma dose pequena de dipirona antes de pegar a estrada, como recomenda qualquer manual de cirurgia, que dá conforto pro paciente devido aos trancos da estrada, não interfere no exame físico e se a dor é muito forte vai voltar independente de uma dose tão fraca) e que no dia seguinte ele faria uma ultrassonografia pra tirar a dúvida porque estaria de plantão no meu serviço. Não tinha feito hemograma. Detalhe: 60% das apendicites não aparecem nas ultrassonografias. Eu acho que alguém está desaprendendo. Internei o rapaz na cirurgia pro colega avaliar no dia seguinte.
O rapaz da fratura exposta voltou. O ortopedista mandou suturar e encaminhou para o ambulatório hoje. Um rapaz superlegal. Lamentando que já é o segundo ano que se machuca perto do São João e não pode dançar quadrilha. Já passava de duas da tarde quando minha colega chegou e pude ir almoçar. Depois voltei pra terminar os internamentos.
O berçário estava cheio, com todo mundo esperando pra ter alta. Só tem alta o recém-nascido com classificação sanguínea e exame de sífilis negativo. Incompatilidade sanguínea pode dar icterícia (pele e olhos amarelos), que pode dar retardamento mental. Difícil é convencer a mãe que o menino não vai ter alta só porque está amarelo e tem que ficar num berço iluminado (a luz degrada a bilirrubina, que dá a cor amarela à pele), apesar o bom estado geral. Tem gente que diz que vai assinar termo de responsabilidade, que o marido vai tirar a criança à força, etc. Na verdade, ninguém tira uma criança do hospital sem ordem médica. A tutela é do Estado. Qualquer problema, chama-se o Conselho tutelar. A gente nem bate mais boca. Havia uns dez bebês e nada dos exames. Estava terminado quando houve um parto (o menino se apressou e tive que cortar a mãe antes que a parteira terminasse de colocar as luvas). Quando já estava preenchendo a ficha (teve uma cesárea na mesma hora e a auxiliar deu uma ajuda), a enfermeira da Pediatria chega na Maternidade com essa; doutora, quando é que a senhora vai ver os meninos lá de baixo?
Ninguém havia me avisado que metade dos meninos da Pediatria seria vista por mim. Aliás, nem que eu soubesse teria chegado lá mais cedo. Eram quase seis da tarde e faltavam uns 15 meninos. Vamos lá. Quando eu terminei de LER as quinze fichas (pra conhecer os casos antes de examinar os pacientes), chegaram os exames dos bebês. Pára tudo (para maior aborrecimento das mães da Pediatria que já havia esperado o dia inteiro) pra dar alta pros recém-nascidos. Até terminar todo mundo, as oito horas vieram e eu disse adeus, intimamente, ao Jornal Nacional, ao William e à Fátima. Tive pena especialmente de dois garotinhos. Um, com glomerulonefrite, uma inflamação nos rins, que sobe a pressão, que indica dieta sem sal e repouso, e outro, com febre reumática, tomando benzetacil todo dia e fazendo repouso também.
Finalmente jantar. Que dizer, antes, a acompanhante daquele senhor com constipação intestinal e retenção urinária disse que ele continuava com dor. Após a lavagem intestinal, não tive tempo de reexaminar o abdome do paciente (falha minha) e a sondagem da bexiga revelou pouca urina. O terceiro colega do plantão e o enfermeiro-chefe acharam que era uma hérnia encarcerada. Provavelmente, ele tinha uma hérnia (que não percebi devido ao abdome cheio de fezes) e o esforço para evacuar estrangulou a hérnia. A retenção urinária era coincidência. Conclusão: se um paciente persiste com queixa após algum tratamento, reavalie, pense em outra hipótese, considere se você não errou. Eu errei. O paciente foi pra Recife e está bem. Ainda bem.
Até que o horário da madrugada foi tranqüilo. Um cara com mal-estar no peito, pressão alta e bebendo há dois dias sem parar. Uma senhora com pressão alta. Essas coisas.
Quá-quá-quá. Disse que não lembrava de tanta coisa.
domingo, maio 08, 2005
Do blog da Beth
Antes que eu me esqueça, pra registro: eu não me vendo por dinheiro. Sei separar trabalho de abuso, principalmente quando a vida dos outros está envolvida. Não insistam, eu posso me tornar um bicho indócil nesses casos.
Antes que eu me esqueça, pra registro: eu não me vendo por dinheiro. Sei separar trabalho de abuso, principalmente quando a vida dos outros está envolvida. Não insistam, eu posso me tornar um bicho indócil nesses casos.
Vida de médico
Sexta-feira fui cortar o cabelo. Minha única recomendação: me deixe com cara de tia boazinha. É isso aí. Tenho que zelar pela boa impressão com meus pequenos pacientes, né? Acabou que Ado comentou que eu parecia uma bonequinha. Shoot, como diria Vicky...
Uma vez na vida, fui ao salão fazer as unhas (depois daquela empreitada das prateleiras, estava precisando) e as sobrancelhas. Tinha uma dessas reuniões organizadas por laboratórios. Foi ótimo, inclusive o super jantar de depois. Ado ainda perguntou 'por que não tem desses eventos em História?'. O melhor de tudo foi " A saga de Pedrinho". O palestrante soube dar uma aula sobre febre de uma forma diferente, contando a história do paciente sob o ponto de vista da mãe, dos erros dos médicos, e não é que dei de cara com um "Pedrinho" no plantão do sábado? A mesma doença, o mesmo erro (dessa vez foi a mãe quem deu medicação errada), tudo igual. Não existem coincidências na vida.
E o plantão de sábado foi divertido. Pediatria exclusiva. 70% de chance do paciente ter vômitos, febre e diarréia. Temos um surto de rotavírus. Sei que as mães detestam essa história de "é uma virose", mas é exatamente isso. Antitérmico, soro caseiro e paciência. Fora isso, os habituais casos de asa por causa da chuva e um garotinho que vomitou em cima de mim durante o exame. A mãe ficou morta de vergonha, por mais que eu explicasse que é pra isso uso bata (a roupa ficou impecável) e que não era culpa do pequeno, né? Esteja preparado pra tudo, sempre. Adorei o plantão.
Sexta-feira fui cortar o cabelo. Minha única recomendação: me deixe com cara de tia boazinha. É isso aí. Tenho que zelar pela boa impressão com meus pequenos pacientes, né? Acabou que Ado comentou que eu parecia uma bonequinha. Shoot, como diria Vicky...
Uma vez na vida, fui ao salão fazer as unhas (depois daquela empreitada das prateleiras, estava precisando) e as sobrancelhas. Tinha uma dessas reuniões organizadas por laboratórios. Foi ótimo, inclusive o super jantar de depois. Ado ainda perguntou 'por que não tem desses eventos em História?'. O melhor de tudo foi " A saga de Pedrinho". O palestrante soube dar uma aula sobre febre de uma forma diferente, contando a história do paciente sob o ponto de vista da mãe, dos erros dos médicos, e não é que dei de cara com um "Pedrinho" no plantão do sábado? A mesma doença, o mesmo erro (dessa vez foi a mãe quem deu medicação errada), tudo igual. Não existem coincidências na vida.
E o plantão de sábado foi divertido. Pediatria exclusiva. 70% de chance do paciente ter vômitos, febre e diarréia. Temos um surto de rotavírus. Sei que as mães detestam essa história de "é uma virose", mas é exatamente isso. Antitérmico, soro caseiro e paciência. Fora isso, os habituais casos de asa por causa da chuva e um garotinho que vomitou em cima de mim durante o exame. A mãe ficou morta de vergonha, por mais que eu explicasse que é pra isso uso bata (a roupa ficou impecável) e que não era culpa do pequeno, né? Esteja preparado pra tudo, sempre. Adorei o plantão.
quinta-feira, maio 05, 2005
04.05.05
Ai meus dedos. 144 parafusos apertados e 3 ganchos pra colocar as prateleiras do escritório e do quarto da bagunça. E ainda falta serrar duas tábuas, pintar todas as prateleiras e cantoneiras... Vida de empreiteira. Mas está tão lindo!
Claro que não foi assim tão fácil. Imagina que eu comprei uma cadeira de escritório tão baixinha que não dava pra alcançar o teclado. Uma luta pra montar. Devolve pra loja, não devolve? Devolve. Depois de desmontada pra devolver, descubro que ela sobe se girar (não tinha isso nas instruções, né?). Monta de novo.
Sem falar na poeira vermelha pela casa toda por causa do reboco e essa cachorra maluca que simplesmente adora andar pela sujeira.
O bom de tudo foi que conseguimos comprar um sofá-cama por R$ 90,00! Imundo, é verdade. Estava lavando o coitado no meio de um verdadeiro caos (tirei tudo de lugar e transformei a sala de visitas em oficina) quando bateram na porta. Era a vizinha de baixo. Veio se apresentar e avisar que havia um vazamento no banheiro social. Droga! Minha sala vive impecável, por que justo agora? O pior: o apartamento dela estava super-arrumado. Fazer o quê?
Descobri que além de companheira essa criaturinha é uma draga, come de tudo. Mastiga as buchas de parafuso com se fossem chiclete, carrega os parafusos, as chaves de fenda, lambe a espuma do sabão, bebe a água com sabão do balde e sobe com a esponja de limpeza, sem falar que arrasta os panos de chão pelo apartamento inteiro. Hoje estava comendo sabão em barra (!). Bom é o hálito de coisa lavada ;)
Depois de dois ou três dias lavando o tal sofá e enxugando com uns dez panos de chão novinhos e um ventilador ligado 24 horas pra secar sem ficar com cheiro de mofo, achei que já dava pra colocar no escritório. Arrasta daqui e dali, Niki latindo e cheirando a novidade (com a sala interditada, ela ainda não vira o sofá), quem disse que entrava pela porta? Nem em pé, nem deitado, nem de lado. E agora, José? Aberto. Abri o sofá como se fosse dormir nele e coloquei-o em pé. Não é que deu certo? Problema foi montar de novo dentro do quarto com Niki latindo até que ela resolveu sumir. Maravilha. Agora era só empurrar pra parede e “caim”. Cadê a cachorra? Dentro do sofá, acredite se quiser. Curiosidade mata ou pelo menos, prende.
Depois que retirei todas as antigas prateleiras do quarto da bagunça, Ado disse que está parecendo local de chacina tantos são os buracos que ficaram das buchas que ainda não emassei. O pior é que é verdade. Ainda deu pra colocar prateleira na área de serviço e uma cortina separando-a da cozinha. Finalmente pude comprar o espelho do banheiro e troquei as luminárias. Só falta o teto, mas com esse vazamento não sei não.
Parei de escrever faz uns dias. Larguei o outro plantão. Apesar de mais próximo, de pagar melhor, de ser menos agitado, tinha muita coisa ruim. Acabei não indo trabalhar na última segunda com labirintite e na quarta já não estava mais no outro emprego, perdi dinheiro mas ganhei saúde.
Já estou començando um plantão de Pediatri neste sábado até conseguir organizar tudo melhor durante a semana porque quero manter o fim de semana livre pra estudar. Vamos torcer, porque quero começar meu consultório particular este mês. Parece que terei ajudar (finalmente) durante segunda-feira de dia e ficarei responsável pelo berçário. Isso significa sala de parto e cesárias, inclusive particulares. Vamos torcer.
Ai meus dedos. 144 parafusos apertados e 3 ganchos pra colocar as prateleiras do escritório e do quarto da bagunça. E ainda falta serrar duas tábuas, pintar todas as prateleiras e cantoneiras... Vida de empreiteira. Mas está tão lindo!
Claro que não foi assim tão fácil. Imagina que eu comprei uma cadeira de escritório tão baixinha que não dava pra alcançar o teclado. Uma luta pra montar. Devolve pra loja, não devolve? Devolve. Depois de desmontada pra devolver, descubro que ela sobe se girar (não tinha isso nas instruções, né?). Monta de novo.
Sem falar na poeira vermelha pela casa toda por causa do reboco e essa cachorra maluca que simplesmente adora andar pela sujeira.
O bom de tudo foi que conseguimos comprar um sofá-cama por R$ 90,00! Imundo, é verdade. Estava lavando o coitado no meio de um verdadeiro caos (tirei tudo de lugar e transformei a sala de visitas em oficina) quando bateram na porta. Era a vizinha de baixo. Veio se apresentar e avisar que havia um vazamento no banheiro social. Droga! Minha sala vive impecável, por que justo agora? O pior: o apartamento dela estava super-arrumado. Fazer o quê?
Descobri que além de companheira essa criaturinha é uma draga, come de tudo. Mastiga as buchas de parafuso com se fossem chiclete, carrega os parafusos, as chaves de fenda, lambe a espuma do sabão, bebe a água com sabão do balde e sobe com a esponja de limpeza, sem falar que arrasta os panos de chão pelo apartamento inteiro. Hoje estava comendo sabão em barra (!). Bom é o hálito de coisa lavada ;)
Depois de dois ou três dias lavando o tal sofá e enxugando com uns dez panos de chão novinhos e um ventilador ligado 24 horas pra secar sem ficar com cheiro de mofo, achei que já dava pra colocar no escritório. Arrasta daqui e dali, Niki latindo e cheirando a novidade (com a sala interditada, ela ainda não vira o sofá), quem disse que entrava pela porta? Nem em pé, nem deitado, nem de lado. E agora, José? Aberto. Abri o sofá como se fosse dormir nele e coloquei-o em pé. Não é que deu certo? Problema foi montar de novo dentro do quarto com Niki latindo até que ela resolveu sumir. Maravilha. Agora era só empurrar pra parede e “caim”. Cadê a cachorra? Dentro do sofá, acredite se quiser. Curiosidade mata ou pelo menos, prende.
Depois que retirei todas as antigas prateleiras do quarto da bagunça, Ado disse que está parecendo local de chacina tantos são os buracos que ficaram das buchas que ainda não emassei. O pior é que é verdade. Ainda deu pra colocar prateleira na área de serviço e uma cortina separando-a da cozinha. Finalmente pude comprar o espelho do banheiro e troquei as luminárias. Só falta o teto, mas com esse vazamento não sei não.
Parei de escrever faz uns dias. Larguei o outro plantão. Apesar de mais próximo, de pagar melhor, de ser menos agitado, tinha muita coisa ruim. Acabei não indo trabalhar na última segunda com labirintite e na quarta já não estava mais no outro emprego, perdi dinheiro mas ganhei saúde.
Já estou començando um plantão de Pediatri neste sábado até conseguir organizar tudo melhor durante a semana porque quero manter o fim de semana livre pra estudar. Vamos torcer, porque quero começar meu consultório particular este mês. Parece que terei ajudar (finalmente) durante segunda-feira de dia e ficarei responsável pelo berçário. Isso significa sala de parto e cesárias, inclusive particulares. Vamos torcer.
Plantão de segunda-feira
Pra variar, eu e Deus. Continuo sem colega durante o dia. Não adianta não marcar fichas de ambulatório porque não é feita qualquer triagem. Se num dia normal eu atendo 63, nesse dia eu atendi 72, “só de urgência”.
Havia umas vinte fichas. Meu segundo paciente foi um senhor de 96 anos que havia caído há 3 dias, queixando de uma dor nas costas e sem conseguir andar. Solicitei um raio-x do quadril direito, que confirmou uma fratura de colo de fêmur. Mais uns pacientes e uma senhora de 88 anos com diarréia há 15 dias que só veio porque a família insistiu muito. Estava desidratada, mas negava vômitos ou febre. Decidi iniciar hidratação venosa e observar. Uma mocinha com tontura e hipotensão, negava uso de drogas, gravidez, a ficha registrava outras crises semelhantes. Iniciei hidratação venosa.
Urgência na Clínica Médica. Um senhor havia parado de respirar por uns minutos, melhorou após administração de oxigênio. Conversei com a família, registrei no prontuário e voltei pra emergência.
Incrível a quantidade de gente que se acumula em vinte minutos. Uma senhora havia caído em casa e se queixava de dor no ombro direito. Fiz um antiinflamatório e solicitei um raio-x. Fui chamar o próximo e um rapaz foi dizendo que precisava falar comigo se eu era a plantonista. Enquanto isso, um senhor entrou consultório adentro. “O senhor é o próximo paciente?”. “Não, eu vou falar com a senhora”. “O senhor espere lá fora”. O rapaz gritou que a irmã dele estava internada e ia morrer lá dentro. Tentei explicar que não conhecia os pacientes internos, que não acompanhava esses pacientes, que ele devia procurar o médico que acompanhava a irmã dele. O tal senhor veio com dedo levantado me ameaçando. Nesse instante, o enfemeiro-chefe, que ouvira a confusão, entrou e me socorreu. Atrás dele, um policial, amigo da auxiliar de enfermagem. Devagar, conseguimos colocar o homem pra fora e o rapaz para dentro. O enfemeiro foi ver a situação da moça e voltei a atender.
O senhor da fratura voltou, o ortopedista mandou internar. Pedi que esperasse um pouqinho porque com aquilo tudo havia juntado mais gente. Uma porção deles com vômitos, febre e diarréia. Um homem diabético, 44 anos, com múltiplas feridas pelo corpo e um dedo do pé com necrose. Internado. O enfemeiro voltou e confirmou que a moça estava mal. Internada há 12 dias, não falava nem andava mais. O raio-x, embora com laudo normal, sugeria tuberculose. Concordei com a família que precisava transferir e expliquei para o rapaz que iria tentar a vaga. Ainda bem que conseguimos. Preenchi a papelada e voltei novamente pra emergência.
Outra senhora diabética, usuária de insulina, também com feridas nos pés foi internada. Havia tido alta há uns 15 dias. A senhora da dor no ombro voltou e o raio-x confirmou uma fratura da cabeça do úmero. Procurei o ortopedista e ele estava almoçando. Como eu não sabia se era uma cirurgia urgente, resolvi ir perguntar pessoalmente e aproveitar pra almoçar (nem sei há quanto tempo eu não almoçava naquele plantão antes das duas da tarde).
O colega garantiu que dava pra fazer os exames com calma e marcar a cirurgia daí há uns dias, não precisava internar logo (ainda bem , menos trabalho). Na volta pra emergência, quinze minutos depois, a senhora de 88 anos estava com febre e a moça com hipotensão continuava mal. Resolvi internar a senhora. Apareceu uma paciente antiga trazendo um presente, um pacote de queijo, explicando que não havia conseguido uma ficha pra mim, só tinha vindo trazer o presente. Fiquei com muita pena e preocupada, porque ela tem uma suspeita de câncer e estamos investigando há semanas. Resolvi atendê-la, mesmo sem ficha, não por causa do presente, mas porque ela é MINHA paciente, deve ter uma doença grave e percisa de uma colonoscopia. Não tem culpa de estar faltando médico na segunda-feira. Sei até os resultados dos exames dela de cor. Quer mais? E precisava de presente?
O senhor da fratura! Esqueci do pobrezinho. E ele nem reclamou. Tanta gente reclamando da demora e ele morrendo de fome, com dor e esperando calado. Fiz o internamento, com ajuda do enfermeiro-chefe. Juro que não foi de propósito.
Internei também um rapaz de 17 anos com vômitos incoercíveis com suspeita de hepatite. Atendi uma moça que quer fazer um teste para HIV, com perda de peso, pele seca e um marido com uma amante que morreu com AIDS. Com medo pelo filhinho. Na cidade não se faz o exame. Quem me salvou foi a assistente social. A prefeitura disponibiliza um ônibus para a realização do ELISA na capital. Deus abençoe a assistente social.
Outra confusão. Um menino todo arranhado e a mãe queria que fosse imediatamente atendido enquanto eu tentava explicar que tinha muita gente, etc. Deixei-a reclamando (o menino estava andando, não sangrava) e continuei atendendo um garoto que estava esperando há uma hora com um traumatismo no ohlo. O pai dele é pilicial e nem por isso tentou usar da condição pra passar na frente. Depois foi a vez de uma senhora com o corpo “como se tivesse cheio de formiga preta” depois de tomar dipirona. E o menino na queda de bicicleta. Afinal, foram muitos arranhões e um traumatismo crânio-encefálico. Como ele não desmaiou nem vomitou, devia permanecer em observação por 12 horas. Um raio-x não descartaria um hematoma, por exemplo, mas não havia filme daquele tamanho. Como ele morava perto, e a mãe, que já estava calma e entendera a minha situação, concordou em trazê-lo de voltar a qualquer alteração. No meio desse atendimento, uma enfemeira do outro plantão (aquele de onde saí) telefonou, já estava sabendo da confusão da manhã. “Tentaram lhe bater, foi? Soube que deu até polícia”. Mundo pequeno.
Depois veio um rapaz com tosse com escarro sanguinolento há 7 meses(!), mas a principal queixa é depressão. Antes de meu colega começar o atendimento às seis da noite, ainda peguei um senhor que corteu a perna há uns dias e inflamou. Ainda bem que a antitetânica estava em dia. Prescrevi antibiótico e retirei os pontos.
Pensava eu que teria algum descanso. Qual! Entre 3 e 6 da manhã eu não preguei o olho. Toda vez que eu me deitava o enfemeiro me chamava. Acabei desistindo de fazer o ambulatório no dia seguinte, que eu ia fazer pra pagar o plantão da semana passada porque estava caindo de sono.
O bom desse plantão foi que conheci uma jornalista chamada Maria Moura, nome de personagem de livro, né?
Pra variar, eu e Deus. Continuo sem colega durante o dia. Não adianta não marcar fichas de ambulatório porque não é feita qualquer triagem. Se num dia normal eu atendo 63, nesse dia eu atendi 72, “só de urgência”.
Havia umas vinte fichas. Meu segundo paciente foi um senhor de 96 anos que havia caído há 3 dias, queixando de uma dor nas costas e sem conseguir andar. Solicitei um raio-x do quadril direito, que confirmou uma fratura de colo de fêmur. Mais uns pacientes e uma senhora de 88 anos com diarréia há 15 dias que só veio porque a família insistiu muito. Estava desidratada, mas negava vômitos ou febre. Decidi iniciar hidratação venosa e observar. Uma mocinha com tontura e hipotensão, negava uso de drogas, gravidez, a ficha registrava outras crises semelhantes. Iniciei hidratação venosa.
Urgência na Clínica Médica. Um senhor havia parado de respirar por uns minutos, melhorou após administração de oxigênio. Conversei com a família, registrei no prontuário e voltei pra emergência.
Incrível a quantidade de gente que se acumula em vinte minutos. Uma senhora havia caído em casa e se queixava de dor no ombro direito. Fiz um antiinflamatório e solicitei um raio-x. Fui chamar o próximo e um rapaz foi dizendo que precisava falar comigo se eu era a plantonista. Enquanto isso, um senhor entrou consultório adentro. “O senhor é o próximo paciente?”. “Não, eu vou falar com a senhora”. “O senhor espere lá fora”. O rapaz gritou que a irmã dele estava internada e ia morrer lá dentro. Tentei explicar que não conhecia os pacientes internos, que não acompanhava esses pacientes, que ele devia procurar o médico que acompanhava a irmã dele. O tal senhor veio com dedo levantado me ameaçando. Nesse instante, o enfemeiro-chefe, que ouvira a confusão, entrou e me socorreu. Atrás dele, um policial, amigo da auxiliar de enfermagem. Devagar, conseguimos colocar o homem pra fora e o rapaz para dentro. O enfemeiro foi ver a situação da moça e voltei a atender.
O senhor da fratura voltou, o ortopedista mandou internar. Pedi que esperasse um pouqinho porque com aquilo tudo havia juntado mais gente. Uma porção deles com vômitos, febre e diarréia. Um homem diabético, 44 anos, com múltiplas feridas pelo corpo e um dedo do pé com necrose. Internado. O enfemeiro voltou e confirmou que a moça estava mal. Internada há 12 dias, não falava nem andava mais. O raio-x, embora com laudo normal, sugeria tuberculose. Concordei com a família que precisava transferir e expliquei para o rapaz que iria tentar a vaga. Ainda bem que conseguimos. Preenchi a papelada e voltei novamente pra emergência.
Outra senhora diabética, usuária de insulina, também com feridas nos pés foi internada. Havia tido alta há uns 15 dias. A senhora da dor no ombro voltou e o raio-x confirmou uma fratura da cabeça do úmero. Procurei o ortopedista e ele estava almoçando. Como eu não sabia se era uma cirurgia urgente, resolvi ir perguntar pessoalmente e aproveitar pra almoçar (nem sei há quanto tempo eu não almoçava naquele plantão antes das duas da tarde).
O colega garantiu que dava pra fazer os exames com calma e marcar a cirurgia daí há uns dias, não precisava internar logo (ainda bem , menos trabalho). Na volta pra emergência, quinze minutos depois, a senhora de 88 anos estava com febre e a moça com hipotensão continuava mal. Resolvi internar a senhora. Apareceu uma paciente antiga trazendo um presente, um pacote de queijo, explicando que não havia conseguido uma ficha pra mim, só tinha vindo trazer o presente. Fiquei com muita pena e preocupada, porque ela tem uma suspeita de câncer e estamos investigando há semanas. Resolvi atendê-la, mesmo sem ficha, não por causa do presente, mas porque ela é MINHA paciente, deve ter uma doença grave e percisa de uma colonoscopia. Não tem culpa de estar faltando médico na segunda-feira. Sei até os resultados dos exames dela de cor. Quer mais? E precisava de presente?
O senhor da fratura! Esqueci do pobrezinho. E ele nem reclamou. Tanta gente reclamando da demora e ele morrendo de fome, com dor e esperando calado. Fiz o internamento, com ajuda do enfermeiro-chefe. Juro que não foi de propósito.
Internei também um rapaz de 17 anos com vômitos incoercíveis com suspeita de hepatite. Atendi uma moça que quer fazer um teste para HIV, com perda de peso, pele seca e um marido com uma amante que morreu com AIDS. Com medo pelo filhinho. Na cidade não se faz o exame. Quem me salvou foi a assistente social. A prefeitura disponibiliza um ônibus para a realização do ELISA na capital. Deus abençoe a assistente social.
Outra confusão. Um menino todo arranhado e a mãe queria que fosse imediatamente atendido enquanto eu tentava explicar que tinha muita gente, etc. Deixei-a reclamando (o menino estava andando, não sangrava) e continuei atendendo um garoto que estava esperando há uma hora com um traumatismo no ohlo. O pai dele é pilicial e nem por isso tentou usar da condição pra passar na frente. Depois foi a vez de uma senhora com o corpo “como se tivesse cheio de formiga preta” depois de tomar dipirona. E o menino na queda de bicicleta. Afinal, foram muitos arranhões e um traumatismo crânio-encefálico. Como ele não desmaiou nem vomitou, devia permanecer em observação por 12 horas. Um raio-x não descartaria um hematoma, por exemplo, mas não havia filme daquele tamanho. Como ele morava perto, e a mãe, que já estava calma e entendera a minha situação, concordou em trazê-lo de voltar a qualquer alteração. No meio desse atendimento, uma enfemeira do outro plantão (aquele de onde saí) telefonou, já estava sabendo da confusão da manhã. “Tentaram lhe bater, foi? Soube que deu até polícia”. Mundo pequeno.
Depois veio um rapaz com tosse com escarro sanguinolento há 7 meses(!), mas a principal queixa é depressão. Antes de meu colega começar o atendimento às seis da noite, ainda peguei um senhor que corteu a perna há uns dias e inflamou. Ainda bem que a antitetânica estava em dia. Prescrevi antibiótico e retirei os pontos.
Pensava eu que teria algum descanso. Qual! Entre 3 e 6 da manhã eu não preguei o olho. Toda vez que eu me deitava o enfemeiro me chamava. Acabei desistindo de fazer o ambulatório no dia seguinte, que eu ia fazer pra pagar o plantão da semana passada porque estava caindo de sono.
O bom desse plantão foi que conheci uma jornalista chamada Maria Moura, nome de personagem de livro, né?
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